E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Melancolia

Fleumático, Sanguíneo, Melancólico e Colérico. Há um tempo minha mãe havia me apresentado a esses quatro tipos de temperamentos baseados nos fluidos do corpo humano. O sanguíneo era aquele cara que vivia de bem com a vida e esquecia facilmente o que acontecia com ele, tanto para o bem quanto para o mal, ele vivia o presente. O colérico era o cara nervoso, explosivo, que também vivia o presente, mas tinha um pouco mais de dificuldade de esquecer, o famoso chapa quente. O fleumático era tranquilão, um bom amigo que tinha o costume de manter tudo na paz, o cara agradável e sem complicações. Finalmente o melancólico, o sensível, o dramático, mas como minha mãe costumava frisar: o melhor amigo que alguém poderia ter. Na época chegamos à conclusão de que eu era fleumática. Eu lembro que achei cool ser fleumática, e pensei é isso ai, sou tranquilona, desencanada, uma garota de boa que curte conversar com meninos e não leva nada muito a sério, uma hedonista eu havia lido em algum lugar, alguém que curte viver o prazer da vida, afinal, não vamos sair vivos dela mesmo. Essa decisão eu posso ter tomado antes de fazer os testes, mas isso é mesmo irrelevante para o momento. Então eu tentava ser feliz e amar e tratar bem as pessoas à minha volta, uma vida o tanto quanto digna eu diria. Logo depois desse teste lá no antigo colegial, eu fui pra faculdade e então decidi fazer uma tatuagem, e decidi ter o direito do ir e vir, de pagar minhas contas, de ler coisas loucas e acreditar naquilo piamente, de parar de ver televisão, de usar saias longas tie die acompanhadas invariavelmente de sandálias rasteiras de couro ou grandes brincos de pena. Era 2004, meu primeiro ano de faculdade, eu tinha 18 anos e estava no paraíso, não parecia haver felicidade maior, até que um ex namorado, o único ex que eu tive até agora faleceu. Eu recebi a notícia em um domingo, prestes a voltar para Bauru. Aquilo me pegou de uma forma que eu nunca soube explicar ou entender, eu era uma garota querendo ser gente, eu era uma menina patinando na vida e querendo ser feliz. Demorei pra perceber que ser feliz e nada mais era pedir demais, por que o nada mais que eu queria deixar de lado era toda a vida e suas complicações, e suas pessoas, e suas dores, e suas conversas sérias e muitas vezes formais das quais eu fugia como o diabo da cruz. Naquela época era fácil fugir, e eu tenho fugido desde então. Interessava-me o modo como eu dizia e ainda digo sem medo ou receio como eu não tenho medo de morrer, ou como me amedontra o fato de viver demais. Acontece que eu descobri que tudo isso se deve ao fato de que a vida pra mim é um peso. O meu livro preferido, à luz de todos os meus autores e momentos literários é A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera. Esse checo me tocou como ninguém havia antes, nesse enredo meio romance, meio filosófico, meio sociológico, meio histórico, que ele conta que a medida de leveza ou peso das coisas todas pode ser considerada boa ou ruim de acordo com a situação, e que existem pessoas leves e pesadas. Saindo da analise eu me peguei pensando em Kundera. Tudo por que eu havia lido uma noticia sobre uma senhora inglesa de 112 anos. Eu não me lembro da noticia, só me lembro de sentir o horror de todo o esse tempo, pra depois perceber a angústia que eu tinha e tenho de viver. Pra lembrar que eu me assusto fácil, que qualquer tipo de conflito me dói, que eu me envergonho e me sinto vulnerável 90% do tempo. Pra reconhecer o esforço que eu venho fazendo desde muito nova para parecer o contrário. Eu lembrei da minha mãe e do colegial, eu era afinal melancólica. Eu sofro e sinto e reajo e rio com cada molécula do meu corpo, eu não consigo ser diferente, minha felicidade é exultante, enquanto minha tristeza é aterradora. Eu sou uma exclamação e não reticências. Eu não tinha tempo de sentir essa dor antes, e comecei a senti-la agora com o crescimento. Com a responsabilidade. Eu estou muito sóbria, muito analisada e ciente para evitar o que eu realmente sou. Chega a dar alívio. Em um súbito lance quase me abracei e disse muito prazer. A garota descolada e tranquila, e feliz e agradável do interior é um peso sobre seus próprios pés. É bom reconhecer de onde puxa essa dor de carregar. É bom olhar pro espelho sem anestesia. É bom olhar para os meus amigos e enxergá-los como não extensão de mim, mas como seres humanos que eu amo. É bom e ao mesmo tempo é tão difícil. Que Deus esteja comigo, e que Freud me dê uma pausa. Aufwiedersehen!