E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

quarta-feira, 12 de abril de 2023

A mulher tá off

Não resisti e comprei uma fantasia de carnaval pro meu filho. A fantasia era de pirata, mas quando eu fui ver era pequena demais pro grande bebê. Voltei para a loja de fantasias Mari Festa que existe em minha cidade na mesmíssima localização desde a minha infância, e troquei a fantasia por um body maior do Hulk. Ao passar para o caixa para acertar a diferença da troca, avistei os óculos divertidos com o famoso "a mãe ta on" na lente. Também na pude resistir e comprei, mais por uma flagrante necessidade de auto ironia que qualquer coisa. Não por acaso estava ouvindo um podcast que abordava a série Fleabag pelos olhos da Psicanálise com a direção da Tati Bernardi - aliás, o episódio tá incrível -  e devo ter personificado o espírito Fleabag, comprando esses óculos dizendo algo que significam totalmente o oposto dos meus sentimentos neste momento, wink wink na sequência para a câmera imaginária, quarta parede de Araras. 

Talvez o "mãe tá on" esteja coerente na verdade, a mãe tá super on enquanto a mulher tá off, e o que seria o puerpério além disso? Uma mulher off. Mulher no sentido moderno da palavra, da nossa geração millenium, mulheres que tiveram aventuras sexuais, estudaram muito, escolheram seu parceiro com muito afinco para finalmente procriar e se verem no mesmo lugar ocupado por suas avós, mães, bisavós. A mãe. Eu neste momento travo uma luta com a amamentação, esse ato, esse modo de vida que abarca tudo que me envolve, tudo que me alimenta e a forma como me visto a quase um ano. Muito se fala sobre os benefícios do aleitamento materno, do contato pele com pele, e eu sou muito grata por ter tido esta oportunidade. Mas pouco se fala sobre o desgaste físico, o esquecimento de si mesma enquanto mulher que isso acarreta. Eu fiquei literalmente sem menstruar por oito meses por conta da amamentação, e só menstruei quando tirei a livre demanda. Não vou nem entrar no mérito da libido, que cai consideravelmente neste ínterim, porque claro, seu corpo que acabou de se converter literalmente em uma fábrica de ser humano, agora se transforma em um produtor contínuo e sob demanda de nutrientes específicos. 

E tudo que eu disse antes não tem um caráter geral, com toda a certeza, por isso mesmo que eu mantenho essa pegadinha nominal dos sinceros devaneios já há quinze anos, esta é a minha visão da coisa. E eu tenho sentido muita irritação, tristeza, e desconforto com a amamentação nos últimos tempos. Pra começar, dia sim dia não meu mamilo é machucado pelos dentes do meu filho, cheguei até o ponto de ter um deles meio pendurado, sim, isso acontece! E graças à deusa do laser consigo me recuperar rapidamente, mas a que custo? Cada aplicação me leva oitenta reais suados que serviriam para dois pacotes de fraldas. O peso emocional de tudo que envolve manter um ser humano sadio pode ser enlouquecedor, e eu estou firme no propósito de que para o meu filho ficar bem eu preciso ficar bem. Primeiramente preciso conseguir dormir. 


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O virus

Meu filho teve o primeiro sinal de virose em uma quinta-feira, exatos quatro dias depois de ter começado a frequentar a creche meio período. Ele tem dez meses e até então não tinha ficado doente, acho que ficamos mal acostumados. Muito se fala sobre a tristeza que é essa situação, mas claro que na vida real tudo ganha outra perspectiva específica da família. A doença do meu filho já dura mais de duas semanas, oscilando da diarreia, febre para a tosse e um produtor vitalício de catarro que sai por todas as aberturas possíveis do nenê, inclusive os olhinhos. O brinde foi que eu também fiquei doente, o que tem mexido muito com o meu ego de "mulher saudável, parto natural, nunca peguei covid". Não sei dizer se é o meu ego que está sendo maltratado ou se é ele mesmo o instigador do caos emocional que me aflige, sobrepujando a intuição materna que traz calma e confiança nas decisões que se toma acerca de seu bebê. Não foram poucas as coisas ruins que eu pensei sobre mim mesma nesta últimas duas semanas, e neste momento enquanto meu filho tira o cochilo matinal dele e eu rezo para que ele durma direto no mínimo duas horas, tenho certeza que sou um ser humano egoísta e mesquinho, uma mãe minimamente boa, para metaforizar Winnicott.

Na elaboração racional é claro que sei que estou fazendo o melhor que posso na atual conjuntura, marido em outra cidade trabalhando o dia todo, eu tendo que trabalhar também remotamente e com novas demandas, meu corpo cansado que mesmo assim precisa seguir a rotina crossfit de pega nenê de quase onze kgs, dá o tetê produzido por este mesmo corpo fodido de trinta e sete anos, agacha com nenê no colo, dá comida pra cachorra, pensa no que comer e para além de tudo isso, todo o relacionamento de mãe com a criança parece que se torna uma guerra. A criança exausta e com o corpinho fragilizado não aceita trocar de roupa, não aceita limpar o nariz, não aceita comer, e não estou nem entrando no limbo que é tentar fazer uma inalação. Tudo é motivo de choro e eu não sou suficiente mais para aplacar este desconforto, tenho apenas que seguir no seu rastro enquanto brinca, prega peças, o que na verdade é um bom sinal de recuperação mas um mal sinal pra mãe que só quer ficar parada.

Queria ter estudado mais Biologia quando era tempo, entender esse bicho do vírus da virose, que pra mim tem se mostrado o maior desgraçado de todos, parece que ele é formado por uma miscelânea de sintomas que ficam no shuffle. Quer diarréia? Pá! Quer febre? Pá? Agora fique uns três dias sentindo-se bem, vai até mandar o bebê de volta a escola achando que melhorou, vai se sentir disposta até mesmo pra uma prática de yoga, até que pá! Cai de cama, garganta fecha, catarro quase te matando asfixiada, nenê com mais catarro ainda!

O pediatra do Raul é homeopata, o que significa que ele é zen, fofo, educado e brincalhão. Mas ele também fala com a maior cara de pau que não vai dar pra ir na escolinha a semana toda e que essa virose talvez volte em breve enquanto receita 5 bolinhas de açúcar pra aplacar a doença que acomete a família. Ah, ele também, e sempre com um sorriso tranquilizador pede para fazermos inalação SETE VEZES ao dia na criança. "Mas Dr, ele não deixa fazer" . É assim mesmo, segure ele no colo (pose fofa como se estivesse abraçando um ursinho), e segue em frente. Não conhece meu filho, que tem a força de três popeyes e ignora o fato de eu estar desfalecendo e praticamente sem voz na frente dele, vai ser tranquilo fazer a inalação, porque não DEZ VEZES POR DIA, DR??

E então, um olhar raro, um olhar único, minha mãe enxerga meu estado e me leva carregada para o hospital. Queria muito voltar para o mesmo apartamento em que ficamos meu recém nascido e eu, recebendo cuidados e marmitas prontas nem que fosse por um dia. Mas não era o caso, então entro na sala da médica com minha mãe como se tivesse sete anos (como é boa essa sensação), ela tenta chamar a atenção da lacônica e desinteressada plantonista que nem me olha nos olhos e já vai receitando mil drogas (não estou reclamando dessa parte, obrigada drogas), "você pode dar uma ouvida no pulmão dela, ela já teve pneumonia três vezes". Tá bom que essa época da pneumonia foi antes do advento da Internet, mas vamos lá, temos um histórico. A boa Dra. feliz em me despachar o quanto antes afirma que está tudo bem, que o  catarro está concentrado apenas na garganta e que eu devo ficar boa em três dias. Me desculpe senhor pediatra, mas era dessa médica zumbi que eu precisava! Ela me direciona para a sala de injeções onde eu disponibilizo, com um sorriso no rosto, ambas nádegas para duas picadinhas "chatas" segundo a enfermeira. As picadas entram, tranquilas, até a hora de passar pela porta e precisar seguir o desfile tal qual um tiranossauro rex, perninhas arriadas e uma ardência absurda que durou ainda uns vinte minutos. Me tranquilizo, já pari meu filho de 4kg sem anestesia naquele mesmo local, melhor isso que o corpo inanimado na cama.

E segue o jogo até que todo esse ciclo termine, e dizem, que logo começa novamente.