E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Qualquer dia

Eugênio. Seu Eugênio, 62 anos e 8 meses, aposentado há 10, acorda em setembro, em um dia invariavelmente frio, porém ensolarado. Olha para o outro lado da cama e não vê ninguém. Procura suas chinelas meio que sem saber o porquê e as calça, pensa no sonho do dia anterior e lembra-se que não sonhou nada. Coça os olhos com prazer, levanta-se, sente vontade de espriguiçar-se, mas tem preguiça. Chama por Maria, que não responde. Vai até o banheiro, olha para a calcinha chocolate pendurada na torneira do chuveiro e sente asco. Depois do asco uma certa excitação meio que como uma lembrança de algo que não se lembra. Nostalgia!Nostalgia é a palavra. Ou talvez dejá vù. Pensa escovar os dentes, como recomendado pelo dentista, mas pensa que odeia o sabor da pasta de dente misturada com o café que logo vai tomar. Desiste de pensar e escova os dentes. Olha para a barba, já crescida e sujando seu rosto, incomoda-se mas não faz nada a respeito. Troca de roupa, penteia os cabelos, olha-se no espelho e percebe um pequeno amassado na manga direita, decide trocar de camisa. Ouve o som da porta, é a mulher que entra. Vai até a cozinha e encontra Maria arrumando as compras. Comprou pão francês? Não, achei que você ia preferir ir buscar você mesmo. Ela achou certo, mas ele continuou mal humorado, meio que se sentindo forçado a sair de casa. Olhou para Maria e pensou como ela tinha mudado, e não conseguiu se lembrar de como ela era bonita. Para um homem velho, o passado pode ser alguma coisa desnecessária, por causa de todo o senso do prático que vem com a experiência. Quando jovem, com seus recém completados trinta anos, gostava de se auto-afirmar pragmático. Conhecia em partes o significado da palavra, mas conhecia ainda mais o efeito que ela tinha nas pessoas. Sentiu de repente fome, ou simplesmente seu estômago roncar, apalpou os bolsos da calça, o bolso da camisa à procura de trocados, mas não encontrou nada, apenas um papelzinho antigo no bolso da camisa depois da que não estava amassada. Leu o papel e já o guardou amassado de volta no bolso, sem que eu conseguisse vislumbrar alguma coisa. Pensou por alguns instantes, deu uma forte fungada, e um meio sorriso perpassou seu rosto, ou somente o raio do sol que entrou pela janela o fez fechar os olhos. Sua mulher, Maria, estava sentada na sala, com a televisão ligada, tomando um chá e lendo uma revista. Querida, você precisa fazer tudo isso ao mesmo tempo? Se eu consigo, qual o problema Eugênio? Ela disse isso como um tom poeril, quase infantil. Eugênio lembrou um pouco dela, sob a luz daquele sol matinal, que entra tímido pelas frestas da janela. Ficaram os dois assim quietos por uns dois minutos. Que foi Eugênio? Ele foi até ela, ajoelhou-se no chão e delicadamente a beijou na boca. Maria ficou desajeitada. Ele desajeitado ao se levantar, pegou as chaves e saiu. Ela desligou a TV, sorriu e tomou um gole de chá.
Garoava na rua. Eugênio surpreendeu-se do fato, por não ter sentido o cheiro. Mirou a padaria a duas quadras de casa, e saiu ao seu encalço. Um quarteirão depois já podia sentir o cheiro de pão doce, que agora misturava-se com o cheiro da chuva e um tiquinho de fumaça dos carros. Escolheu os três pães franceses de sempre, e decidiu escolher mais duas carolinas que Maria tanto gostava. Apalpou seus bolsos e lembrou-se que não tinha trocados, e sentiu novamente o papelzinho. Sentou na cadeira, comeu uma carolina. Pensou mais um pouco e comeu outra carolina. Pediu para pendurar a conta e saiu. Já não garoava mais. Segurou seus pães no peito, sentindo que acabavam de sair do forno, encheu sua boca de àgua ao ver uma menina de saia passar. Atravessou a rua, automático como tinha procurado as pantufas mais cedo, não viu o ônibus que passou.
Três pães franceses cairam no chão, a moça da saia correndo para acudir. Seu Eugênio!! Eugênio.

Aufwiedersehen!

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Interlúdio

Tenho feito muitas coisas ultimanente, comecei a ler quatro livros diferentes sem termina-los, ando brigando muito com a gata que mora em casa (inclusive agora, que sobe em meu teclado e suja meu colchoado novo com seus pêlos brancos), tenho trabalhado, passado frio, praguejado contra o frio, e também - como falamos no trabalho - tenho feitos alguns backups para a industria cinematográfica (baixado filmes da internet), fiz muita coisa, menos escrever, e eu sinto falta. Essa cidade te uma coisa acelerada que te pega, tem sempre algo acontecendo, algo muito interessante, e acho que é isso que me apaixona em São Paulo. Acontece que existem diferentes tipos de acontecimento, e com um pouco de experiência (cof cof), percebi que não precisamos nos movimentar, viajar, ou dar uma grande festa necessariamente, para que algo importante aconteça. Coisas alucinantes acontecem dentro de nós, na nossa eterna busca pelo auto conhecimento. Enfim...dos quatro livros, tenho batido um papo com Tim Maia e aquele talento monstruoso dele que vinha com um acessório também grande, seu temperamento. Além do Tim, tem o Washington, o Olivetto. Estou na publicidade há quase dois anos e ando curiosa com esse mundo. Washington também tem um talento enorme, mais palpável talvez, e um bom temperamento. Olho pra caras desse tipo e não consigo almejar menos. Sinto-me velha mesmo com 25 anos (quase 26). Sinto urgência, mas também sinto cansaço, por que cansa mesmo. Sinto frio.
Foi sempre pela escrita que eu consegui ficar vulnerável, entender um pouco o que se passa dentro dessa mente hiperativa que vive em uma moça tão sossegada. Em um desses filmes que eu baixei (tenho preferido os clássicos que separo por diretores: Bergman, Hitchcock, Truffaut),"Interlúdio" de Hitchcock, senti uma espécie de apoteose menos apoteótica, em relação a essa minha paixão avassaladora. Eu não amava o Cinema como arte, ou talvez um trabalho, eu amava (amo), o Cinema como contemplação de uma vida, e quanto mais estravagante e bela melhor. Algo que minha psicanalista afirmava com a sutileza que lhe é peculiar, e que eu entendia apenas como uma metáfora. Eu vivia o que Alicia, a personagem de Ingrid Bergman sentia por Duvlin na pele de Cary Grant. Eu viajava com eles de Miami para o Rio de Janeiro, planejava aventuras e sonhava com um mundo melhor.
Aquilo não me entristeceu, apesar de ser triste, aquilo de certa forma me fez pensar em começar a viver eu mesma a minha história. Uma menina sonhadora pode ter muitos problemas com a realidade.

Aufwiedersehen!!