E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O cão moralista - Parte 02 Final

Dona docinho deu um sorriso que eu nunca tinha visto, e uma batidinha na minha cabeça. A moça da roupa preta me segurou. Eu já estava olhando pra ele primeiro. Me desculpe, me desculpe, não queria atrapalhar a senhora, a benção. Eu só gostei muito dele, e tô tão solitária. Eu também tinha gostado dele. A dona docinho veio no meio das duas, a primeira mulher parecia estranha, e eu não entendia por que ela me apertava, enquanto a segunda mexia no cabelo da minha cabeça, era gostoso. Aquelas duas mulheres me queriam. Um cheiro forte vinha da segunda, e quando menos percebi, espirrei na cara da mulher vestida de preto. Ela me jogou no chão, mas a segunda mulher me pegou no ar. Ele não fez por mal, coitadinho, deve estar resfriado. Posso ficar com ele?Não!Veja bem, bem, senhora e senhor...a?Dona Docinho estava esquisita. Eu não faço isso normalmente, mas existem casos e casos, e gostamos de pensar o melhor para os nossos peludinhos, o que vocês acham de ficar um dia cada um...a, com o nosso queridinho, de todas nós, para que ele escolha? Eu escolher?A primeira mulher, a do colarzinho de bolinhas em uma das mãos, me puxou da outra senhora da voz grossa, me apertou e devolveu. Pode ficar com ele meu filho. Filha, senhora, por favor, nasci mulher, aqui dentro sou mulher. Tá certo, Deus te abençoe. Amém senhora, muito obrigada! Senti gotas pesadas cairem na minha cabeça. E a segunda mulher me apertava contra seu peito pontudo. Naquele mesmo dia saimos juntos, mas eu logo voltaria para a casa da dona docinho.
A segunda mulher me carregava sempre no colo, não importava o lugar, eu nunca saia correndo, ou andava, na verdade eu gostava daquilo, por que nunca fui muito de liberdade. Eu fiquei dois dias com a segunda mulher. Contei esse tempo, por que eu ficava com ela até tarde na rua, e vi o sol cair lá em cima duas vezes, e ela gostava de me ensinar essas coisas da vida, que o sol era o dia e a lua era a noite. Sabia das coisas essa mulher. Eu gostava da noite com ela, mas o dia, de dia um monte de olho acompanhava o nosso caminho, um olho que me lembrava do olho da primeira mulher. Olho de quem olha, e olha, e não faz cafuné na cabeça. No comecinho do dia depois dos dois dias, sem querer muito todos aqueles olhos, eu sai correndo, devagarzinho do jeito de quem nunca corre e tenta correr. Quando eu corri muito, sem chegar muito longe, ainda olhei pra trás, a mulher que me antes me segurava forte no peito pontudo me olhava, mas estava parada. Senti um enjoo no estômago, mas não estava com fome então não entendi. Continuei andando até chegar à porta da dona docinho, que me olhou esquista, e colocou na minha caixa de antes, mais pro fundo, em um lugar que não dava pra ver a janelona de vidro. Chorei alto, mas continuei lá, até que o sol amarelo se colocou pela última vez.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O cão moralista - Parte 01

Escrevi o seguinte micro-conto para o curso de Criação Literária. Publico agora a primeira parte, depois a segunda.

Eu nasci a pouco tempo, não consigo ter idéia de quando exatamente foi que eu sai junto com a cachoeira de semelhantes meus do buraco enxarcado de sangue que era a minha mãe. Nesse mesmo dia todos os tantos pequenos e molhados filhotes ficaram perto dela, e ai de quem chegasse perto, mãos de criança, mãos pintadas, todas afastadas no reflexo do rugido daquela cadela pequena. Menos eu. Eu fiquei em um canto sem que ela visse, ou quisesse ver. Fiquei lá, do lado de uma boneca grande, com cabelo amarelo e meio esquisita. Uma mão pequena e branca chegou perto de mim, tateou, e quando eu achei que ia ser pego, lá se foi a mulher de plástico. Dormi o meu primeiro dia, e ao acordar sentia meu estômago ranger, quase como minha mãe rangia contra quem quisesse pegar um dos meus companheiros de barriga. Acordei em um lugar claro, luz pra todo canto, e dentro de uma caixa com buracos enfileirados. Eu não sabia que ali eu ainda ia ficar por um ano.
Nesses tantos dias que eu não sei ao certo quanto são, (só soube que um ano tinha ido, por que ouvi um dos homenzinhos que trabalham nesse lugar, comentarem que eu estava lá há um ano, e que isso já contava despesas), pude conhecer bem esses animais com costumes bem peculiares que são as pessoas. Olhei, ouvi bastante coisa, foi até divertido. O dia que mais me lembro foi o dia em que eu fui embora do lugar claro, mas antes de contar tudo dessa história, tem uma coisa importante para saber sobre mim, eu sou feio. Até hoje não sei exatamente o que isso significa, aparentemente não têm muita sorte nesse mundo animal de pessoas quem é feio. Bom, a sorte vem lenta. Nesse dia chovia muito. Chovia tanto que latas vermelhas e folhas grandes voavam direto na janelona que ficava bem à minha frente. Eu amava essa janela, através dela olhei as coisas mais divertidas de se olhar. Fêmeas e machos caminhando, filhotinhos pessoas chupando coisas coloridas que derretiam, uma fêmea que passava em frente a um outro lugar que estava crescendo ainda, e fazia todos os machos descerem para olhar, coisas interessantíssimas. Nesse dia tinham essas duas mulheres, e pela segunda vez em todo esse ano, alguém se interessou por mim. Vi outros como eu, sairem felizes no braço de outras pessoas, eles talvez tivessem idéia de onde iriam, ou apenas sorriam por serem bonitos, por que aparentemente isso é uma coisa boa, apesar de que eu não via diferença nenhuma entre nós, quer dizer, eu latia, eles latiam, eu ia lá pro canto dos jornais e fazia o que tinha que fazer, igualzinho a eles. Essa foi a minha segunda vez querido, depois do filhote pessoa de óculos escuros que tentou me segurar, mas foi puxado por alguém. A primeira mulher tinha uma roupa pesada, toda preta, e um colar de bolinhas com algo pendurado na ponta, enrolado na mão. Ela parou e olhou para mim. Ouvi ela soltar ar e falar algo como: pobre criatura. Não entendi o que ela quis dizer com criatura. A mulher que cuidava da gente chegou, chamava ela na minha cabeça de senhora docinho. Ela trazia comida pra gente e sempre cheirava a alguma coisa doce e visquenta. A senhora docinho veio pra perto da primeira mulher, meio pulando, e fazendo assim com a mão. Foi quando a outra moça de voz grossa e músculo esquisito no pescoço chegou. Ela falava alto, por isso dei um pulinho. Olha que bonitinho que ele é, ai moça, quanto que custa?De tão feinho que é, fica bonitinho, você não acha? Quando disse isso de mim, não entendi direito também, cada um falava uma coisa de mim que eu preferia não saber, por que eu não conhecia aquela gente.

To be continued.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Simonal

Acabei de ler “Nem vem que não tem: A vida e o veneno de Wilson Simonal”, de uma prosa deliciosa escrita por uma autoridade na questão musical riquíssima do Brasil, o diretor de redação da revista Época Ricardo Alexandre. Na nossa geração o nome Wilson Simonal soa invariavelmente como um eco de um nome conhecido da atualidade, mas nem tanto assim, Simoninha. Wilson Simoninha, cantor e irmão de Max de Castro um cantor inventivo da nossa MPB Cult atual que se mistura e reinventa com Seu Jorge, Maria Rita, Luciana Melo, dentre outros. Curioso ver os frutos atuais dos cantores do passado, Maria Rita e Pedro Camargo Mariano filhos de Elis, Luciana Melo e Jair de Oliveira filhos de Jair Rodrigues, dentre outros, e o mais curioso ainda, como tudo que envolve o show business é entender que por mágico ou glamouroso que seja, o mercado musical e artístico nada se difere desse mercado no qual trabalhamos, sem os holofotes, todos os dias. Wilson Simonal foi o pai de Simoninha, Max e Patricia, crioulo de família humilde e mãe solteira (o pai foi viver sua vida), como a maioria dos crioulos do começo da década de 40, foi o maior cantor que o Brasil já teve. Não digo isso pelo meu gosto particular, mas pelos diversos depoimentos desse livro, fora o documentário lançado há pouco tempo por um caceta Claudio Manoel e os irmãos Conspiração Filmes “Ninguém sabe o duro que dei". Surpreendi-me ainda mais ao conhecer sua participação na criação do que se conhece hoje por samba rock, um estilo pós nhem nhem nhem da bossa nova (eu amo bossa nova!), resultado de um pedido calórico de “veneno” no ritmo acústico dos samba canções. Simonal, o Simona era parceiro de Jorge Bem Jor, que todos conhecemos, por que contina vivo e não teve o azar de cair no ostracismo como seu amigo, cuja história eu li perplexa, sobre uma idéia que surgiu de suposições e algumas rixas, em relação a um cara abertamente folgado (conhecido como rei da pilantragem na época). A "idéia" que destruiu sua carreira e como sequela sua vida, era uma suposta relação que ele tinha com os órgãos opressores da Ditadura, tido como delator de artistas. Esqueci que lia a algo que realmente aconteceu e pensei que lia a mais um conto fictício que pretende imaginar o que os piores sentimentos da humanidade são capazes de cometer como mazelas. Fico triste, decepcionada, enfurecida por que isso acontece todos os dias. Não da forma como aconteceu com Simonal, começando com uma “piadinha” de “O Pasquim”, jornal esquerdista da época da Ditadura, acusando-o de dedo-duro e fazendo uma charge dele suicidando-se em público e ai sim finalmente conseguindo aplauso novamente, mas com o escracho, com que o responsável pelo jornal, mais tarde comentando a repercussão da charge, disse que “Eles haviam destruído a carreria de Simonal”, de forma irônica, como se eles não fossem capazes de sozinhos, acabarem com a carreira de um artista desse porte. Não vou entrar na questão da Imprensa e de seu enorme poder, mas sim levantar a questão para nós reles mortais no nosso dia a dia pouco noticiado, quando passamos informações não comprovadas, fofocamos besteiras para impressionar, temos inveja e complexo de inferioridade do outro, esses sentimentozinhos que permeiam a nossa vida, todas as horas, e evitamos aceitar que existem, tudo começa ai, nessa sensação transitória de grupo, de ideologia, como eu já disse antes. Vocês do departamento financeiro, vocês da produção, vocês da assistência técnica, vocês sócios da empresa, as subdivisões com suas questõezinhas vão enfraquecendo não somente nosso julgamento racional, como também nossa capacidade de empatia humana, por que não. Sinto-me triste, por que um Simonal poderia facilmente hoje, ser novamente julgado e colocado no ostracismo por uma fofoca, campos de concentração poderiam ainda ser criados, tudo começando a partir da cabeça de alguns, e de uma idéia mal concebida ou muito bem concebida, que encontra em nós eco, todos juntos e sem personalidade, e acaba por seguir em frente.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Epitáfio

Os Titãs, depois de toda loucura dos anos 80, chegaram a um ponto do que eu chamaria sabedoria musical. Não apenas pensando na melodia, nos ritmos e afins, mas pensando na poesia de suas letras. Há a música “Epitáfio”, “Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol se pôr....”, que todos nós conhecemos bem. Sempre pensei que essa música devia ser ouvida, uma vez por mês pelo menos, pq no final das contas, o epitáfio, principalmente nesse caso, é a conclusão invariavelmente tardia (deixando Chico Xavier de lado nesse caso), a respeito de tudo que precisávamos ter feito. Nem entro muito na questão do arrependimento, como é dito na sabedoria popular, (ou na sabedoria das amigas bêbadas de balada), melhor se arrepender do que fez, do que não fez, então penso assim, o que a gente ainda precisa fazer? Tive uma leve apoteose no ônibus, ouvindo o querido crooner mafioso Frank Sinatra, com seu adorável “My way”. Como sempre acontece com música, ainda mais para certas pessoas sensíveis como moi,o “I did it my wayyyyy” de Sinatra despertou algo em mim. Pensando nesse “eu fiz do meu jeito”, na má tradução, como sempre são todas as traduções de músicas, por que são fiéis apenas à sua língua mãe que canta, senti uma força imensa para seguir o meu próprio caminho (tum dum tis!). Vivemos em sociedade, fato consumado. Temos uma família, um grupo bom de amigos, ou apenas um ou dois bons gatos pingados. Temos um trabalho, religião, internet, e tudo o mais que conhecemos bem, até demais. As vezes me choco pensando no que realmente fiz do meu jeito, por uma vontade intrínseca pura e nascida comigo, sem nenhuma interferência externa. Não quero ser xiita, mas quantos de nós em nosso epitáfio poderemos cantar, não como velhos (esperamos) turrões , mas sim como pessoas de grande personalidade e presença de espírito “I did it my wayyyyy!”?

Aufwiedersehen!

PS: My Way
And now the end is near
And so I face the final curtain
My friend, I'll say it clear
I'll state my case of which I'm certain

I've lived a life that's full
I traveled each and every highway
And more, much more than this
I did it my way

Regrets, I've had a few
But then again, too few to mention
I did what I had to do
And saw it through without exemption

I've planned each charted course
Each careful step along the byway
And more, much more than this
I did it my way

Yes there were times, I'm sure you knew
When I bit off more than I could chew
But through it all when there was doubt
I ate it up and spit it out

I faced it all and I stood tall
And did it my way

I've loved, I've laughed and cried
I've had my fill, my share of losing
And now as tears subside
I find it all so amusing

To think I did all that
And may I say, not in a shy way
Oh no, oh no, not me
I did it my way

For what is a man, what has he got?
If not himself, than he has naugth
To say the things he truly feels
And not the words of one who kneels

The record shows, I took the blows
And did it my way