E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

quinta-feira, 7 de março de 2019

Transcendentais

A Netflix finalmente divulgou a data da segunda parte de uma das séries que mais me impactaram  na vida desde The Lefovers, a controversa O.A., que só é controversa porque é aquele tipo de realização que se ama ou odeia, e na maioria dos casos, meus conhecidos pelo menos, odiaram. Podemos dizer que essas pessoas devem ter assistido errado? Não, mas talvez sim, essa postagem vem também inspirada por alguns livros que me fizeram repensar a experiência humana não só na Terra, como em nossas mentes e maneira de ver o mundo, do nosso critério de julgamento e a necessidade de concordar ou não concordar com as coisas. Espero conquistar alguns amigos de exatas a entrarem comigo nesse caminho tórrido e delícia da abstração.

Essa onda de inspirações transcendentais veio primeiro para mim quando li a trilogia 1Q84 do autor japonês Haruki Murakami, em uma narrativa muito louca, aliás tudo é louco nesse post, sobre o "povo pequeno", envolvendo um livro escrito por uma menina e depois totalmente reeditado por um homem, enquanto no paralelo seguimos a história de uma colega de infância desse mesmo homem que agora tem uma vida dupla como personal trainer e assassina, além da existência de duas luas no céu. Desejo pra todo mundo essa sensação de se viciar em um livro, melhor ainda quando é uma sequência, essa euforia de descobrir os desdobramentos da história, e Murakami manja muito de binge reading, no final de cada livro ele te deixa com uma bomba na mão.  Isso que vou dizer não configura spoiler, mas na época fiquei extremamente desapontada com o final do terceiro livro e de toda a saga, não senti que tive as respostas para as perguntas lançadas e fiquei recalcando uma ofensa pessoal enrustida pelo Murakami, a ponto de vender a trilogia no Enjoei, logo na sequência e de raiva (me arrependo).

Anos depois, seguindo a indicação de muitas pessoas, fui ler A vegetariana, da sul-coreana Han Kang, baseada em um conto antigo, e que conta a história de uma mulher que de repente e por conta de sonhos misteriosos desiste de comer alimentos de origem animal, o que desenrola toda uma derrocada social, desde o fim de seu casamento até o abandono de sua própria família, menos da irmã mais velha, que representa seu oposto, uma mulher bem sucedida nessa sociedade em todos os sentidos, e acredito que é sobre isso que o livro fala, sobre a dificuldade de se encaixar em uma sociedade, especialmente para mulheres, especialmente no contexto da Coréia do Sul. Assim como em 1Q84, não temos as respostas que objetivamente buscamos para as questões levantadas no livro, mas dessa vez eu já estava preparada, e pude sobressair-me da linearidade da história para conseguir olhar para as mal fadadas entrelinhas. E que puta experiência é esse livro, talvez seja um livro melhor que 1Q84, aceito opiniões, por favor!

E finalmente, dias desses terminei A infância de Jesus, do sul-africano Coetzee, ganhador do prêmio Nobel de Literatura, e um dos livros mais esquisitos e sem uma narrativa clara que eu já li, o que não me impediu de devora-lo em três dias. No livro sempre referido como "Ele, Simón" é o protagonista a quem seguimos nas tentativas e erros de buscar uma educação adequada a seu protegido, David, que é o filho de Inês, encontrado em um suposto barco que leva as pessoas por um travessia para outra vida, não se sabe muito bem de onde, mas que chega em Estrella. Para ter uma ideia, não existe um personagem Jesus no livro, e isso também não configura spoiler. Aqui temos questões filosóficas, principalmente sobre a ideia de verdade, mas nunca da forma como estamos acostumados a percebe-las. Não a toa, o centro do livro e os acontecimentos mais doidos acontecem em uma escola de dança que busca "descer" os números das estrelas como base de toda a educação das crianças, e que nunca explica seus ensinamentos, por acreditarem que algumas questões só podem ser compreendidas através da dança que é ensinada na escola. 

Eu sou uma pessoa viciada por aprender coisas, lembro de ter ficado enlouquecida quando me mudei para São Paulo por conta da imensa disponibilidade de cursos de todos os tipos, e mergulhei em todos os que tive vontade, desde edição, roteiro e literatura, a um curso de mestre cervejeira (quando ainda não era pop), e locução. E todos esses livros falam sobre comunicação, como transmitir conhecimento, ou alguns caminhos possíveis na tentativa de encontrar empatia pelo outro, mas não existe uma resposta única para isso, a verdade é inatingível, só existem perguntas e indagações. O que quero dizer é que precisamos fazer um esforço real para transcender o ego, permitir que os nossos sentidos e corpo façam as vezes da leitura de mundo que temos. O ego serve para praticarmos a vida em sociedade, mas ele falha miseravelmente ao tentar nos ajudar a compreender a experiência humana que é imensa e complexa.  No livro que estou lendo agora e que acho que deveria ser obrigatório, As paixões do ego, de Humberto Mariotti, há um trecho interessante sobre forma como encaramos o místico e a arte como formas inferiores de entender o mundo quando comparados a ciência, mas esquecemos que a ciência também nasceu desses lugares: "O lado 'artístico' dos cientistas e técnicos costuma ser lembrado como uma espécie de tentativa de 'humanizá-los'. Nessa ordem de ideias por exemplo, a dimensão 'espiritual' de Einstein e o lado 'esotérico' de Newton são sempre recordados. E com dupla finalidade: pelos místicos, como 'vantagem competitiva', pelos cientistas como um pecado a tentar esconder. E assim por diante. O mundo precisa ser descrito e ter a sua história contada numa linguagem clara e simples, e não na dos especialistas, sejam eles cientistas ou magos".


"A persistência da memória" - Salvador Dalí


Aufwiedersehen!!