E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Artista

Minha irmã comentou comigo esses dias "você é talentosa, né?", acho que foi depois de eu ter inventado algo diferente na cozinha, ou de ter feito uma fotografia com o meu celular, a verdade é que graças ao ócio que tenho vivido, tenho tido tempo para escrever, ler, estudar, apesar de ter estado mais para exausta nessas últimas semanas, pelo inverno, pelo tempo que não passa, por ainda ter que viver em um apartamento com três desconhecidos e seguir contando cada uma das moedas de cinco centavos como se não houvesse amanhã. Sim, já me disseram várias vezes que existe um aprendizado aí, mas eu vou ignorar toda essa conjuntura externa por estar cansada de falar e reclamar dela. Vou dizer logo antes que perca a coragem: eu sou uma pessoa criativa. Não, isso foi mais um eufemismo covarde: eu sou uma artista! Caramba, saiu...que bom. Estou a fim de dizer isso porque eu ando atenta as coisas que a casualidade me diz e foram três filmes nos últimos tempos que reverberaram diretamente esse ser distinto que vive em mim, e ainda recuperei uma TED talk antiga que também faz alusão a esse tema.

Aqui a Liz Gilbert, autora do livro "Comer, rezar e amar" que depois virou um filme estrelado pela Julia Roberts, faz cair por terra aquela nossa imagem do gênio artístico autodestrutivo, que precisava do caos para criar por ser ele a própria fonte de inspiração. Acho muito legal como ela traz para a vida real essa profissão, como mostra ser possível desenvolve-la  de uma forma objetiva.

Nesse filme, "A incrível Jessica James", é uma professora de dramaturgia e teatro do ensino fundamental em uma escola pública de Nova Iorque, e além de ser um filme super divertido e leve, tem uma parte em que a Jessica encontra com uma dramaturga celebrada, e pergunta algo sobre "como chegar lá", e a dramaturga devolve pra ela a indagação sobre o fato de ela estar "fazendo teatro". Querendo dizer que se ela está criando, e ao mesmo tempo pagando suas contas ensinando teatro, se ela ama isso, ela já chegou lá de alguma forma, ela vive dessa paixão.

Nesse filme espanhol que mostra processo curioso de criação literária, talvez uma grande sátira ao ofício, tem uma parte em que o personagem do professor fala sobre como sempre existirão pessoas que vão achar seu trabalho medíocre, mas que se se ama escrever, o próprio ato já está te fazendo feliz, e isso deveria ser o propósito. O protagonista é um dos personagens mais desagradáveis que eu já vi, e o filme em si é meio desconfortável com todas aquelas pessoas suando em Sevilha, mas essa parte valeu a pena.

E finalmente, aproveitando uma sessão promocional de 1 euro esses dias, assistimos a esse filme de 1987, "O banquete de Babette". O filme é bem parado, construído para outra época e audiência, mas me identifiquei muito com Babette, uma outsider que foge da França e chega em um vilarejo na Dinamarca para mexer nas estruturas simples do povoado cristão ortodoxo, e ela faz isso oferecendo um banquete completo de jantar depois de ganhar uma quantia na loteria. No final ela dá uma ideia um pouco ingênua mas adorável do que é viver para criar: "Um artista nunca está pobre".

Talvez você que está lendo isso daqui também se identifique, então se permita perceber-se talentoso mas sem se sentir muito especial, apenas com um olhar sensível para as coisinhas do mundo. Quando minha irmã me elogiou, eu só consegui responder como era uma pena que esse talento não me trazia dinheiro, mas gostaria de emendar essa resposta triste para um grande obrigada. Escrevi o projeto completo de uma série de nove episódios, revi um roteiro de longa-metragem que havia escrito e reescrito em 2013, e ainda preciso reunir coragem para revisar o meu projeto de livro de memórias e ensaios que eu comecei em 2017. Sejamos corajosos para nós mesmos, deve bastar.

O google images mostrou essas imagens para "artista" - sem julgamentos

Aufwiedersehen!!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Uma mala que não foi perdida


Viajamos no final do ano para a casa da minha irmã em Lyon, e eu exagerei um pouco no tamanho da mala correndo um risco consciente de ter que pagar um extra caso fosse necessário despacha-la. Claro que o voo era low cost e só permitia mala de mão, pensava que esse conceito era totalmente abstrato a não ser que você estivesse com uma super mala de rodinhas, mas descobri na hora de embarcar que eles literalmente têm uma protótipo do compartimento superior do avião para que você tente fazer caber a sua mala que no seu entendimento seria de mão. Não era, mas consegui escapar dessa sem custo extra, glória a Netuno, ou ao deus do vento, do ar, dos voadores. Uma vez devidamente sentados em nossa poltrona, a minha ao lado da janela, relaxados por termos evitado outro gasto em nossas vidas já tão carentes de dinheiro, meu marido perguntou se havia algo de valioso na mala, porque “vai que…ela extravia”. E enquanto ele fazia a pergunta, acontece isso entre os casais algumas vezes, já imaginamos o que eles vão perguntar antes ou durante o momento em que eles fazem uma inquirição, e enquanto ele a fazia, um sorriso sereno perpassava meu rosto, porque o pensamento era sereno. Caramba, pensei, deve ser essa a sensação de desapego tão pregada pelos livros de auto-ajuda. Não é que não havia nada de valioso naquela mala, meu quimono vinho e azul marinho que comprei por trinta reais em um brechó coletivo plus size e que eu costumava usar para dar um ar dramático ao look, e nessa viagem levei só para usar como um tipo de roupão chique dos filmes enquanto estivéssemos dentro da casa da minha irmã com a devida calefação. Minhas botas caramelo de vinte euros e alguns anos estavam lá também, uma delas com a sola descolando de novo, mas que já me haviam protegido muito do frio. Fora isso um vestido antigo, algumas blusas de frio para usar embaixo, meias velhas, era resumidamente tudo velho mesmo, e muito querido. A própria mala era super velha, uma falsa mala de rodinhas que na verdade era uma mala mole normal, que parece ter sido artificialmente transformada em mala de rodinhas, com um zíper que não funcionava mais em um dos bolsos. A cor era um marrom de papel reciclável, uma mala de perdedores como nós, mas no bom sentido. Essa mala não somente não foi extraviada, como foi uma das primeiras a aparecer orgulhosa, a pobre, no rolo de malas. A segurei com carinho, como a um cachorrinho vira-latas muito velho que ainda consegue chacoalhar o rabinho. Eu era aquela mala, e acho que deve existir algum aprendizado no paradoxo que é nunca ser roubado ou perder coisas velhas e sem muito valor econômico. O universo deve valorizar os objetos despretensiosos. 

Aufwiedersehen!!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Sinceros, devaneios, Barcelona!!


Meu melhor amigo comprou passagem para vir para a Europa, e me pediu para fazer uma lista de lugares imperdíveis para visitar em Barcelona. No paralelo, comentei no facebook sobre a necessidade de desmistificarmos a vida aqui, e me pediram para aprofundar mais nesse tema. Já escrevi várias vezes em torno desse tema da desglamourização da vida fora do Brasil, mas nunca vou muito além porque costumo me sentir um pouco ridícula por estar vivendo pela segunda vez essa experiência, como aquele cara branco hetero que diz sofrer com o feminismo ou por ser bonito demais, ou pior ainda, me sinto ingrata pelas oportunidades que tive. De qualquer forma, e como um sincero devaneio que é meu, vou tentar me aprofundar, e como diriam os espanhóis, ¿Me explico?

Quando eu conheci Barcelona em agosto de 2009, me apaixonei pela cidade como boa parte das pessoas que já estiveram aqui um dia. Ela é quase sempre ensolarada, arborizada, com grandes ruas largas e confortáveis para caminhar no terreno prioritariamente plano, além das muitas praias disponíveis no centro da cidade com acesso super simples a pé ou de metrô, ônibus ou trem. São quatro as praias que ficam na cidade: Barceloneta, Mar Bella, Bogatell e Nova Icaria. Sendo a primeira a mais comumente escolhida pelos turistas e sempre super lotada, vai gradualmente diminuindo a quantidade de pessoas por metro quadrado até chegar na mais tranquila que eu acho que é a Nova Icaria. Vale enfatizar que em Mar Bella o público alvo é LGBTQ± e rola uns nudes além do tradicional topless feminino super liberado na Espanha. Interessante saber que Barcelona não era super badalada assim até o final dos anos 80, ela foi descoberta como um dos maiores destinos turísticos depois da revitalização realizada para as Olimpíadas de 92, e que segue trazendo frutos para a cidade até hoje.          


Eu cheguei aqui nove anos depois e casada, no auge do verão, e apesar de todos os problemas que já contei aqui, como o atraso ao marcar a Cita para entrega dos meus documentos*, e a fascite plantar*2, eu pude conhecer mais ou menos bem as opções de praias fora da cidade, fugindo um pouco da lotação tradicional de verão e dos turistas, coisa que eu deixei de ser logo que fui empadronada*3 na cidade. Minha praia favorita fica na cidade de Badalona (foto), a vinte minutos de trem mais ou menos de Barcelona dependendo de onde você sai, mas também tem antes San Adriá de Besos, depois Mongat também com nudes, e pro outro lado tem uma das que eu mais curti, Ocata, mas nela você paga uma taxa extra pra chegar de trem porque fica em outra zona (a taxa extra é de uns 2 euros, não descubra da pior forma sobre isso levando como uma multa, como nós levamos - 50 euros!). Todas elas têm acesso super simples via trem ou metrô, só precisa cuidar com o passe de trem/metrô/bus, sempre usamos por aqui o T10, que dá direito a 10 “corridas” por 01 euro cada, com integração no espaço de 100 minutos, se for comprar individual custa 2,20. 

                                              


Além das praias tem o Parque Ciutadela, outro lugar bem gostoso pra curtir o dia de sol, e que fica entre a Avenida do Arco do Triunfo que é bem bonito (foto), e o bairro de Born (foto abaixo), que é o começo do centro, uma espécie de Vila Madalena/Pinheiros de Barcelona, bem fofo e hipster, e ao lado dos bairros mais darks e zonas mais perigosas - no conceito europeu de violência - tem o Gótico e Raval, com suas ruas super estreitas onde fica fácil se perder, e lembra muito a vibe da rua Augusta de São Paulo. Aqui é muito difícil ter assalto a mão armada, mas rolam MUITOS furtos, de celular especialmente. Acontece que não adianta chorar, porque se o furto for de um valor inferior a 400 euros, a polícia nem vai atrás de averiguar. 

                                       

                                       

Aqui não é autorizado beber na rua, mas é aceito beber na praia e no parque, onde você tem acesso a cerveja e sangrias através da simplificação do termo “paquis”, que vem de paquistaneses ou qualquer homem com ascendência árabe mesmo, gritando seu famoso hino “Cerveza, Beer!”. Em Barcelona as pessoas são muito bem divididas, estereotipadas oficialmente: “Chinos”, são os chineses que dominam dois comércios, os bares com tapas espanhóis que eles reproduzem muito bem (tortilla, ensaladita russa, patatas bravas, olivas e pan con tomate), e os bazares que são espécies de 1,99 2.0, com TUDO que você possa precisar. Eles são mesmo incríveis, e estão quase sempre abertos, diferentes dos comércios nativos que fecham para a siesta (14-16h), ou o mês de agosto inteiro mesmo. Aliás, nada funciona em Agosto aqui. Os “paquis”, além de venderem cervejas, tem os supermerkats, que são mercadinhos abertos até mais tarde e aos domingos  (tudo fecha na Espanha aos domingos), para vender bebidas e produtos de mercado mais rápidos, um tipo de conveniência. E claro, existem os "sudacas", que somos nozes, mas nem tanto, os brasileiros são uma categoria a parte, apesar de não encontrar tantos por aqui. Acho incrível a oportunidade de conhecer mais sobre os países latino-americanos, aqui tem uma amostra de cada um deles, e meu sonho é um dia reconhecer cada um dos sotaques castellanos. 

Descobri esses dias que Barcelona é praticamente do tamanho de Campinas, com 1.5 milhão de habitantes, e como extensão realmente é bem fácil de conhecer, as ruas principais cruzam a cidade, com uma pegadinha que é a Diagonal, uma avenida enorme que cruza, como o próprio nome explica, a cidade diagonalmente, fazendo com que a gente tenha que andar um tanto quase em círculos toda vez que vamos atravessar uma rua em linha reta (foto). Os bairros mais conhecidos e centrais são: Poblesec, Eixample, Grácia, Born, Raval e Gótico. Eu morei em dois bairros que são considerados meio “periferia”: Clot e Sants.

Impossível andar em linha reta

Quando estava para vir pra cá algumas pessoas me falaram que se eu não soubesse o catalão eu estava ferrada: mentira. Outras pessoas me falaram que não é um bom lugar para aprender castellano: verdade. Me explico, as pessoas daqui falam igualmente o catalão e o castellano, então você vai se virar super bem com o segundo, mas realmente toda a comunicação da cidade é em catalão, e mesmo que eles falem castellano, não é o castellano da norma mundial, e é cheio do sotaque catalão, com expressões que só existem aqui. Tem sido realmente difícil evoluir na língua porque as pessoas tendem a misturar as duas línguas em uma conversa normal, super tranquilo! Pra quem fala inglês fluente é muito fácil conseguir emprego em Barcelona, é com certeza um diferencial ainda maior que no Brasil.


Sobre as principais atrações do arquiteto mais famoso do mundo, eu acho, Antoni Gaudí, temos a Sagrada Família que fica em Eixample, e que ainda está em construção e pretendem terminar em 2020, e cuja entrada vale uns 28 euros que você deve comprar com antecedência pelo site. Não, eu ainda não entrei na catedral, mas não vejo a hora de poder dispor dessa quantia para conhecê-la, todas as pessoas que entram não se arrependem, mas de qualquer forma é um espetáculo vê-la por fora, eu nunca enjoo. Depois da Sagrada Família você pode caminhar vinte minutos até o Passeig de Grácia que é como a Champs Elysée, com todas as lojas fodonas, e tem a La Pedrera e a Casa Battló. Não, não entrei em nenhuma das duas também, mas as entradas podem igualmente ser compradas em cada um dos respectivos sites super informativos. Por último e MUITO importante tem o Parc Güell, que eu entrei em 2009, uhuuuuu, e na época não paguei nada, mas que hoje tem uma parte restrita a visitação por 8 euros que você pode comprar na hora, mas aconselho a comprar antes porque esgota rápido e as turmas vão sendo postergadas para mais tarde sucessivamente.

                                         

Fora o circuito Gaudí há o Castelo de Montjuic com uma vista incrível da cidade e onde fica também o Museu da Catalunha, você pode entrar e fazer o caminho que é uma subidinha meio pesada pelo centro da cidade, ou pela Plaza España que nos oferece escadas rolantes maravilhosas para dar uma forcinha. Barcelona tem vários museus, como o CCBB com vários eventos, fora isso há centros culturais e atividades gratuitas na rua quase todo fim de semana, no verão (Junho-setembro), é praticamente todos os dias.                                     

É uma cidade razoavelmente barata para visitar se você curtir ficar na rua de boa e comer nos chinos e comprar a bebida nos paquis para tomar a cerveja na praça, como a Plaza del Sol em Grácia. A hospedagem é cara, e qualquer restaurante ou bar perto de Barceloneta ou do Passeig de Grácia, ou da Plaza Sant Jaume é um roubo, evite! Eu amo a Plaza central onde fica a catedral de Barcelona que é estilo gótico como o bairro, que tem horários de entradas gratuitas e é de tirar o fôlego. E sempre tem alguma coisa rolando por ali, nem que sejam artistas de rua tocando jazz.

Aqui um vermuth antes do almoço do domingo faz ficar pensando melhor, e custa de 1.7 a 3 euros


O lance da desglamourização eu ainda não consigo elaborar claramente, então vou simplifica-lo com dicas para quem quiser morar fora: vá com um propósito pré definido, seja ele um curso, um trabalho, um voluntariado, tenha algum ponto de partida. Viemos apenas com o passaporte do meu marido, e o que parecia fácil por ser esposa de espanhol, me deixou por seis meses praticamente no ostracismo, eu realmente tive que lutar muito contra uma depressão por não ter papel, não ter um propósito, então não adianta ter o documento e algum dinheiro, minha opinião, venha com um propósito, tenha um projeto que te mantenha próximo de quem você é, que seja fazer entrevistas com os gringos que vivem na cidade, porque é muito fácil se perder sendo imigrante. 

¿Me explico?

Aufwiedersehen!!

*Cita é um dos termos mais usados em espanhol, é literalmente um horário, um agendamento, mas pode ser usado também para "encontro", horário no médico, enfim, tudo que se refere a agendamento;

*2 Fascite plantar é uma inflamação na fascia que é um tecido que fica na base da musculatura do pé, que dá uma dor excruciante principalmente no ser humano que sofre disso ao acordar, e que se deve ao uso incorreto de sapatos, os flats são os maiores vilões, e também sobre peso não ajuda, muitas grávidas sofrem disso. Para curar é só a base de fisioterapia, muita massagem com uma bolinha tipo de tênis, todas as horas, compressa de gelo e reza braba. Pra evitar POR FAVORZINHO não usem sapatos planos para caminhar!!!!!! Não cometam o mesmo erro que eu! Saltos médio quadrados são ótimos para os pézinhos, além de tênis, claro!

*3 Empadronamento é o ato de uma pessoa que tenha um imóvel em Barcelona em seu nome, pode ser alugado, assinar um documento como que se "responsabilizando" por você na cidade, é mais um convite de entrada mesmo, e ele serve para dar entrada em qualquer documento oficial.