E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

quarta-feira, 16 de maio de 2018

O mito do casal que larga tudo para correr atrás dos sonhos

Dissecando essa frase título encontramos tantas cobranças sociais que eu nem sei muito bem por onde começar, mas talvez um primeiro passo seja falar novamente sobre privilégio - não adianta fugir disso. Exige tempo, dinheiro e estrutura familiar para "largar tudo".

Outra parte da cobrança social é essa coisa de só estar "completo", e realmente "feliz", quando em um relacionamento, de preferência heterossexual. Então vamos lá, essa pessoa que tem a possibilidade de "largar tudo", e de também estar "completa" em um relacionamento, caramba, "essa pessoa chegou lá", seja lá onde "lá" for, contando que não seja no Brasil.

Tenho revirado meus olhos há alguns anos toda vez que esse mito do casal que larga tudo para correr atrás dos sonhos cruza minha timeline. Não pela escolha das pessoas, mas pela forma como essa escolha tem sido vendida nos sites e blogs. Essa coisa de largar tudo e seguir seus sonhos, e não desistir até se sentir extremamente feliz com seu trabalho se tornou uma obsessão um tanto quanto frustrante para a nossa geração. Fomos taxados de preguiçosos, indecisos e mimados, mas mesmo assim eu mesma tomei a decisão de mudar para outro país com meu marido. Não foi uma coisa espontânea, estamos planejando há uns dois anos, e nesses meus quase trinta e três cheguei a conclusão que não existe trabalho divertido, porque trabalho é trabalho, simplesmente.

Nós resolvemos morar na Espanha porque queremos viajar, morar em outro país juntos, redescobrir a nossa vida, e porque meu marido tem o passaporte espanhol. É uma loucura na verdade, porque não temos dinheiro guardado, nem somos mega executivos que conseguem trabalhar remotamente, também não somos super jovens, também não somos super pacientes e muito menos pessoas iluminadas, mas mesmo assim precisamos fazer essa viagem. Talvez por uma combinação de personalidades, apesar de sermos muito diferentes, começamos a nos sentir restritos nessa cidade que eu amo, e ele que é paulistano já não ama tanto mais.

Trabalho a quase uma década com Publicidade, passei por toda uma sorte de doenças psicossomáticas, e me mato diariamente para pagar um aluguel. Amo metrópole, amo comunicação, mas também descobri que amo ter a possibilidade de fazer meu horário, e trabalhar na maioria das vezes sozinha, em casa. Somos seres em constantes mutações, e eu já tenho experiência suficiente para saber que a minha necessidade hoje, não necessariamente vai ser a mesma necessidade amanhã.

Já fui muito feliz produzindo muitos filmes impossíveis na pressão publicitária, houve momentos em que me senti realmente plena tendo a possibilidade de ser muito eficiente no meu trabalho. Acho uma perda de tempo essa sensação que ronda as pessoas de São Paulo, e principalmente no mercado publicitário, da vontade de "apenas viajar", ou "vender coco na praia". No meu caso específico, trabalhei muito e fui feliz, minhas experiências seguem firme comigo e no Linkedin, posso voltar a qualquer momento, e provavelmente precisarei, mas agora, de novo, por escolha, quero olhar um pouco de longe essa vida construída. Quero ouvir, cheirar, sentir outra cultura e outra língua. Quero coceiras de curiosidade pelo novo me cercando.

Então essa viagem não é sobre ter sucesso e chegar lá, é apenas sobre seguir vivendo.

Aufwiedersehen!!