E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

sábado, 7 de setembro de 2019

Eu sou uma mulher grande

Outro dia uma nova colega de trabalho me fez a pergunta que as pessoas vêm fazendo a minha vida toda: quanto você mede? Não é uma pergunta que costuma me irritar, na verdade sinto que no momento em que respondo os "um metro e oitenta" consigo uma aprovação de que eu sou mesmo uma mulher grande. Mas minha colega ainda quis saber se eu gostava de ser alta, e no final do expediente falando para todas aquelas novas pessoas ouvirem, eu me peguei confessando como havia sido ruim ser a pessoa mais alta da sala, da festa, de todos os lugares que eu ia quando adolescente. Incluindo os homens.  Confessar isso me deu um refluxo daquelas sensações, de além de me sentir desengonçada como qualquer adolescente se sente, de me sentir exposta demais, literalmente, e já sem a proteção da infância. Costumava brincar como compraria rapidamente um sapato que me afundasse no chão para que eu pudesse pelo menos por alguns momentos ser tão bonitinha de mãos dadas com um cara que pudesse me proteger, para que eu pudesse como minhas amigas, abraçar um cara com a cabeça no peito dele, eu só queria ser comum. Mas tem algo mais complexo dentro desse complexo da garota alta, porque nunca fui apenas alta, eu sempre fui grande. Minha risada é escancarada, eu gosto de comer rápido e voluptuosamente, eu amo demais, sofro de forma equivalente, ando rápido tropeço e caio no chão, quebro coisas e até a forma como piso no chão é barulhenta. Confiava demais nas pessoas porque as idealizava, e na idealização delas eu idealizava a mim mesma. Fui sendo quebrada pela vida como qualquer pessoa, mas não consigo deixar de ser grande,  excessiva. Até que há exatamente quatro anos eu estava deitada na praia tomando sol com uma amiga, e em meio às sensações do mar, da areia, da irmandade, tive uma epifania: eu gostava de ser grande. Depois de trinta anos eu senti que havia finalmente me aceitado, e precisava ser essa aceitação total e não somente na altura. Eu pensava la na adolescência que por ser tão grande eu era menos mulher, e na verdade até hoje por trás dessa aparente força existe aquela garota cuja cabeça você sempre via passar no meio de uma festa do clube, e eu não quero que ela vá embora nunca, e para que ela siga viva dentro de mim, eu preciso honra-la a despeito da sociabilidade feminina. 

Aufwiedersehen!

    Lana Del Rey / reprodução

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Deixa eu ver se eu entendi direito

Dizem que quanto mais lemos mais ignorantes ficamos, e eu concordo completamente com essa afirmação. O estudo é como uma válvula de zoom out, que te joga para um andar acima, te mostra gradativamente quão distante você se encontra de tudo, e como suas confortáveis verdades não fazem sentido dentro de um contexto maior. Aliás, o que é a Verdade na época da Pós-Verdade? Um pequeno vislumbre, um dejá vu. Não acho necessariamente que isso seja algo ruim, a Verdade nunca existiu de fato porque ela depende de muitas variáveis para ser comprovada, e podemos agradecer o Trump por isso. Está tudo muito claro, não a Verdade, mas quem dentre nós escolhe manter-se lá no térreo, pensando no conhecimento sem perspectiva, e principalmente quem não se mantém atento sobre o perigo de uma única história, normalmente contada por aqueles que estão no poder. Mas não leve a sério esta narradora, porque estamos todos no térreo, só consegui em alguns momentos passear no segundo andar, talvez. 

Em Sapiens livro escrito pelo filósofo israelense Yuval Harari, descobri que nossa espécie hominídea prevaleceu no esquema da evolução não pela nossa força ou inteligência, mas pela nossa capacidade de criar o que? Ficção! Foi através da primeira retórica criada, digamos assim, que o Homo Sapiens falador pôde liderar outras pessoas e subjugar espécies muito mais fortes, como o Neandertal. Isso acontecia por que em grupos eles passaram a se tornar mais potentes. Mas e aí? Para onde essa capacidade de inventar coisas nos levou?

Por exemplo, o dinheiro é na verdade apenas um papel que concordamos ser dotado de valor. Do advento da agricultura e quando deixamos de ser nômades, o Homo Sapiens que melhor sabia usar a ferramenta da retórica - que é a observação de uma realidade onde se pode criar uma narrativa a seu favor - se tornou líder, e a partir dessa liderança ele conquistou o PODER. E quando somamos poder com posses temos um sistema que forma a base da nossa concepção humana e ele anda bem comentado ultimamente: o Patriarcalismo. Mas ele não se trata necessariamente da questão homens x mulheres, mas de toda forma de exploração e da ideia de que existe um vencedor e um perdedor. E então vieram as guerras, e esse jeitão autodestrutivo que estamos MAIS DO QUE ACOSTUMADOS, porque veja bem, a Amazônia.

O mais interessante sobre o Homo Sapiens, toda essa criatividade e o porquê de o humor ser tão necessário para analisar a nossa existência, é que um dia resolvemos que íamos comer carne animal. Podemos falar da cadeia alimentar, sobre como é natural comer outros bichos, mas houve tempos mais tranquilos em que nos alimentavamos perfeitamente bem da coleta. Além do fator alimentação, éramos ativos porque caminhávamos pelo campo, não tínhamos horário para nada e estávamos em contato com a natureza. Tudo bem comprar essa experiência, afinal existem milhares de retiros caríssimos onde você pode viver exatamente isso, com exceção de que você não precisa catar a sua própria comida, ela segue caríssima e crua na sua mesa de mármore toda manhã. Depois se segue livre para inalar toda a fumaça que nós mesmos soltamos todos os dias dos nossos carros que seguem parados na rua.

Tudo isso porque estabelecemos um horário comercial para fazer um trabalho que poderíamos realizar de casa - com exceções - porque lembra, inventamos uma coisa mágica chamada Internet. Eu entendo como quase ninguém tem a autonomia financeira para reinventar o processo, e claro que eu estou falando de um lugar cheio de oportunidades, mas precisamos sempre lembrar do contexto. Não existem vilões e mocinhos, Lulas e Bolsonaros, repetimos apenas e por milhares de anos os arquétipos de poder, enquanto o sistema que nós mesmos inventamos se mostra cada vez mais falido e suicida.

E então a Amazônia vem sendo violada agora pelo Bolsonaro, além do estrago já feito há alguns presidentes atrás, mas agora de forma muito mais acelerada que antes. A grande questão é que resolvemos comer muita carne, e essa carne precisa ser criada. E dentro da nossa grande inventividade convencionamos entender que os animais não têm sentimentos e por isso são inferiores a nós, o que nos permite aceitar que eles sejam mantidos em campos de concentração que ocupam espaços maiores que estádios de futebol pelo mundo. Isso tirando gatos e os cachorros que levamos para passear e sentar conosco na parte de fora daquele café descolado enquanto comemos um sanduíche de pastrami.

E a Amazônia? Ela precisa dar espaço para mais gado, e também para o alimento do gado. Mas o problema mesmo está no nosso canudo de plástico.

Antes que apontem a minha hipocrisia, fiquem tranquilos, eu me auto-declaro hipócrita, privilegiada morando na Europa e desesperada, porque eu não enxergo saída no meio de toda essa novela de muito mal gosto que nós mesmos criamos, e eu nem entrei no mérito do gênero.

Aufwiederdesen!


                   
                               Esse livro é um alento