E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

domingo, 26 de dezembro de 2010

Cidão

Era uma janela aberta. Do lado esquerdo a imagem de uma santa. Ouço minha mãe aconselhá-la sobre a ceia, que participe, que esteja, mesmo a despeito da vontade. Minha vó em frente ao companheiro de mais de meio século deitado na cama, um homem guloso da vida que agora se alimenta por uma sonda que insiste em incomodá-lo no nariz.Essa senhora quase octagenária veste a camisa rosa listrada que acaba de ganhar. Seus olhos, os quais eu gostava de descrever orgulhosa quando criança serem verde piscina, brilham no bom humor desse rosto que teima ser belo. No chão chinelos modernos contrastam com a madeira que cobre a casa que na infância serviu de morada para as nossas brincadeiras de esconde esconde e a gritaria dos primos. Ele, agora deitado em um sono que não imaginamos, esbravejava na época, ele podia e queria assistir a televisão. Ele chama por alguém. Meu irmão? Não entendemos, não há o que entender. O homem forte, progenitor, o patriarca é vencido pela vida, dizem que pelo cigarro. Ficamos a contemplá-lo com uma nostalgia besta, daquelas que nós ingênuos que somos, sentimos ao ignorar (ou esquecer), o triunfo que foi, que é, estar e ter. Ele continua...

Aufwiedersehen.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Terça de manhã - conto

Tenho me surpreendido em como alguns (ou a maioria), dos textos tendem a melhorar com o tempo deles. A gente escreve de uma vez, e deixa o doc. lá no desktop, esquecido mesmo, e depois de um tempo o re-lê e re-descobre com alguns ajustezinhos sempre necessários. Depois de toda essa propaganda ergo as expectativas pra esse conto que escrevi um dia desses...

Eu perdi a noção! Meu desconfiômetro já era! Acordei contrariando as leis da medicina para o bem viver do meu corpo. Comi a pizza da véspera!Sim, esse foi o meu café da manhã. Dois pedaços previamente aquecidos nas microondas com todo aquele catupiry curtido do dia anterior, escorregando em cima do vidro redondo suporte. Sim, coloquei a pizza desse jeito, sem prato, sem pano, sem nada, sozinha dentro do aparelho. E Levei na mão, andando pela casa. Liguei o rádio, tocava algum tipo novo de funk, e eu que pensava que não tinha como eles falarem ainda mais palavrões. Pizza em uma mão, e um copo com coca-cola sem gás na outra. Dancei, agachei até o chão, e quando vi, a janela do vizinho estava aberta junto com a minha. Ri alto, mais alto que o MC com nome no diminuitivo. Olhei o relógio da cozinha, cinco minutos pro horário limite que me impus - há cinco anos esse era o timing para sair de casa para chegar em ponto no trabalho. Lembrei de uma coisa, esse relógio é adiantado!Exatos 10 minutos, enganação subjetiva a que me colocava todo santo dia meu Deus! Esperta me senti por lembrar disso justo hoje, por que noção já não tenho mais, eu ainda tenho 10 minutos pra mim! Joguei a borda da pizza que já não me agrada no lixo, não me custa nada. Lambi meus dedos do resto do catupiry, desliguei o rádio. Pensei em um banho, olhei pra banheira. Uma peça bonita, dava ar sofisticado pro banheiro. A banheira do banheiro que eu só usei uma vez, quando eu e ele chegamos da lua de mel. Que safada que eu fui naquele dia! Não parecia eu, não parecia o que eu acabei sendo, cheia de responsabilidade, cheia de rotina e horário. Dizem que brasileiro é desorganizado, largado, atrasado, quisera eu ter um tiquinho disso que fosse na minha vida. De tanto me organizar, ta ai meu resultado, uma bela banheira branca, nem acumular o pó que lhe é digno, por que deixar sem limpar não deixo. Pois bem, peguei lá embaixo do meu armário as essências que eu ganhei no aniversário de dois anos atrás, sem saber direito, joguei tudo com água quente, e vi logo que era impossível não acertar. Entrei. Senti cada molécula do meu corpo, tenho certeza. Deixei estar ali, quando lembrei de uma foto de revista, de uma mulher com uma taça na banheira. Fiquei louca de vontade de fazer isso, assim, em uma terça de manhã, eram tantas as deliciosas infrações! Corri nua, ensaboada, com espuma pelo apartamento, arranjei uma taça com vinho (a champagne tinha ido na última vez que comemorei como minha mais uma promoção dele, e de que me adianta, agora que ele estava com outra, e eu podia perder a minha noção). Voltei, tomei um gole e me toquei, e me lembrei novamente de mim. Esqueci da noção, mas precisei lembrar dela, o celular tocava, logo a campanhia tocava, e eu precisava sair.

Aufwiedersehen!