E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

sábado, 27 de outubro de 2018

O país onde eu cresci não existe mais

Eu cresci em um país bonito, onde as pessoas se tratavam bem e eram sempre simpáticas. Essas pessoas "não queriam incomodar" quando lhe ofereciam um café ou um suco, sempre pediam "desculpa qualquer coisa", como precaução antes de sair, e nunca achavam necessário o presente que recebiam, mesmo quando era aniversário. No Brasil, crescemos evitando dizer o que pensamos e como nos sentimos em uma cordialidade e sensações perenes de paz e ausência de conflito. Nossa "secretária do lar" é praticamente da família, mesmo sendo negra, e "olha que ela é super honesta". Mas não, no país onde cresci não existia racismo, tinha certeza, apesar de mais da metade da população ser negra, mesmo assim, durante os onze anos de estudo em uma escola particular graças ao fato de minha mãe ser professora e coordenadora, ter tido no máximo três colegas negros. Cresci em um país que ama eufemismos como o "politicamente incorreto" da Regina Duarte, e que fazia piada de quem já é fodido, eu mesma já ri, não importa que lá no fundo do meu estômago algo indigesto esquentava. Esse país do palmitão do Danilo Gentili - não, o racismo reverso não existe e não se trata de opinião, trata-se de dívida histórica mesmo. Mas nos últimos anos, talvez cinco, algo aconteceu com meu país. As mulheres pediram Chega de fiu fiu, outro eufemismo que propiciou iniciar um diálogo sobre a cultura do estupro, e a alarmante epidemia de homicídio de mulheres que ousavam dizer não a seus parceiros, fora as que sobrevivem e sobreviveram, estupradas mesmo.  As piadas do Gentili passaram a não ter graça para muitas de nós que tivemos a sorte de encontrar o feminismo, ou graças as amigas queridas que nos levaram para a luz, e também alguns homens e parceiros e irmãos. O Chega de Fiu Fiu que veio do Think Olga, como a Benário, que nos anos quarenta foi entregue grávida de uma criança brasileira para um campo de concentração - gostaria de saber onde estavam os movimentos "pró-vida" - desculpa mas tem que ser entre aspas - e o "Brasil acima de todos", naquela época.

Direciono esse texto a minha pequena bolha, porque quero ser otimista. Essa bolha que me abraça desde que cheguei em São Paulo, a galera do audiovisual, meus amigos de comunicação e artes de Bauru, alguns amigos e amigas de infância. Meus pais, primos e irmãos, que concordam com o meu posicionamento frente a atual onda de polarização política iniciada em 2014, quando pensava que o tal do "Laércio" era o maior perigo frente a tudo que eu acreditava. Venho daqui de longe, reivindicar a vida que construí no melhor país do mundo nos últimos trinta e três anos, pra dizer que acredito no nosso futuro. Perdi muitas batalhas nessa jornada contra o Bolsonaro, uma semana de luto e muito chororô depois de resolver sair de um grupo de amigas de infância. Mais choro e descrença até a decisão de passar a próxima semana um pouco distante das redes sociais, para depois voltar e ler textos enviados "do outro lado", com uma visão crítica do PT do Haddad que já estava enxergando como o salvador da pátria e das criancinhas. Foi um exercício recorrente de pêndulo, de um lado para o outro, para entender que estamos todos juntos, salvo alguns fascistas reais saídos do armário e que por esse acaso de terror 17 ganhamos por tirar de nossas vidas.  

Esse texto deve ser lido hoje, sábado dia 27, antes das eleições de amanhã para decidir o segundo turno do maior cargo executivo do Brasil. Coincidentemente na segunda é aniversário do meu pai, o cara que se filiou ao PSDB ainda em tempos de ditadura, quando o tucano vivia na esquerda. O melhor cara que existe, e que vejo através dos nossos whatsapp videos, sem palavras diante do fenômeno político atual. Um cara que no auge dos seus mais de sessenta anos enxerga a possibilidade de um colapso ambiental frente a concessão amazônica que já está prevista em plano de governo pelo candidato em vantagem em favor dos agropecuaristas (e se você ainda não sabe o estrago que a pecuária faz no mundo, ainda é tempo de assistir Cowspiracy, tem no Netflix). Meu pai acredita que o Haddad e o PT deveriam abrir mão da candidatura e deixar que o Ciro Gomes entre para vencer esse segundo turno a despeito do antipetismo. Não era hora para o PT, e esse risco que eles escolheram correr contra o Brasil deve ser lembrado e cobrado. 

Apesar de algumas pessoas pensarem que já não tenho que dar pitaco sobre a política do país onde vivi mais de trinta anos por estar a quatro meses morando fora, quero dizer que acredito que o país onde eu cresci já não existe mais. Ele é jovem e recém saído de uma ditadura - mais especificamente no ano em que eu nasci, 1985 - e está amadurecendo. Não vamos voltar a ela porque pela primeira vez na vida enxergo um país desperto, o senhorzinho do Engenho está nu, e sim, talvez ele seja eleito amanhã, mas os escravos estão organizados contra o mico que é Jair - falso - Messias. As minorias estão orgulhosas, reproduziram mil placas da Marielle Franco, enquanto o Danilo Gentili faz piada gordofóbica da candidata a vice-presidência do partido que é oposição ao mico. Eles já perderam e isso é só o início da virada. Boa eleição a todos e muito respeito. Dito isso, sou Haddad com Manu vice, e sonho com a representatividade que eles podem oferecer ao melhor país do mundo #13



Aufwiedersehen!!

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Arrumação

Há três anos a minha chefe na época, comentou sobre um livro de arrumação de uma autora japonesa que tratava das formas mais bem sucedidas de organizar a casa, e estava muito animada dizendo que o pequeno livro havia mudado sua vida. Apesar de não ter procurado pelo livro então, não pude deixar de ficar impactada pelo "mudar a vida", a ponto de depois de todo esse tempo, morando em outro país, e sem encontrar minha ex-chefe, eu me lembrar disso a ponto de mandar uma mensagem pedindo o nome da mágica japonesa: Marie Kondo.  Não somente porque a minha chefe é uma das pessoas mais organizadas que eu conheço e por isso ter ficado curiosa para saber o que mais um livro poderia ter ensinado a ela, apesar do título auto-ajuda: "A mágica da arrumação: a arte japonesa de colocar ordem na sua casa e na sua vida", descobri também que ele chegou a estar na lista de mais vendidos do New York Times com dois milhões de exemplares, mesmo tratando de um assunto que muitas vezes considerado supérfluo. Existe uma máxima que eu acho que é do Elvis, sobre milhões de pessoas não serem todas idiotas, ou algo do tipo que me faz sempre estar fascinada pela cultura pop, é que eu tinha a possibilidade de tempo livre que só os contratempos da imigração me permitiram, e o ócio que ainda quero estudar a fundo, acabou me jogando para esse livro que comecei a ler na segunda, e já senti mexer muito com a minha forma de pensar. Ainda estou em 40% da minha versão e-book, mas já posso adiantar que nas poucas sessenta e tantas páginas (o livro tem 160), pude compreender que a disposição do lugar que você mora faz diferenças razoáveis no jeito que você resolve viver. Me lembrei das tantas vezes em que minhas sensações já rodearam o espaço onde eu morava, como uma grande leveza aos sábados de manhã ouvindo uma música alegre, arrumando a casa, lavando e depois pendurando minhas roupas cheirosas, ou também nas vezes em que fazia essas mesmas coisas, mas para procrastinar um trabalho, só que desta vez gerando frustração 

Marie Kondo trata roupas e meias como se fossem seres animados, enfatizando a necessidade de serem bem dobradas, guardadas e energizadas, o que não parece tão louco se pensarmos que as roupas cobrem nosso corpo todos os dias, e ainda mais em termos de sustentabilidade e durabilidade do produto. O método que ela vem aperfeiçoando desde criança foca na base da nossa existência e na forma como acumulamos tudo. Energia, relações, desculpas, isso sem falar da poeira que vem com tudo isso, para os companheiros alérgicos. O mais interessante é que ela afirma que nunca teve uma recorrência nas consultorias que fez, porque o correto não é precisar arrumar sempre, mas apenas uma única vez e de forma certeira. Pensar eme não precisar mais arrumar nada é uma revolução drástica no modo como gerimos a vida, e nos faz ganhar não só quantidade, mas qualidade de tempo. Vivemos em um momento caótico todos sabemos, eu pessoalmente iniciei esse processo de arrumação e desapego de roupas, sapatos, bolsas e livros no começo do ano para mudar de país, confesso que a quantidade de coisas acumuladas em dez anos de vida em São Paulo foi assustadora, e até hoje, vivendo com o mínimo e muito pouco dinheiro em Barcelona, ainda me pego pensando em abrir mão de outras coisas. A grande questão é que não precisa e nem é para ser assim, precisamos aprender a comprar o que realmente precisamos, e na verdade, como Kondo diz, é algo maior que isso, só mantemos e/ou compramos o que nos faz essencialmente felizes. Isso é profundo e exige um enorme auto-conhecimento. 

Por isso estou guardando o livro com carinho e lendo de forma mais lenta para conseguir pensar muito sobre tudo que ela diz. Hoje decidi organizar as fotos guardadas no meu computador, e além das milhares de repetições e memes que vêm na onda do download do whatsapp, encontrei momentos incríveis, imagens enviadas por amigas e amigos de ex-namorados e namoradas, os bebês que iam crescendo e me emocionando no desktop, as várias selfies que fiz para mim mesma, e ao som de música clássica por indicação da Marie, fui sentindo também um pouco da minha alma sendo reciclada.

Aufwiedersehen!!


                              como não amar essa fada?



quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Cozinhar para amar

Isso seria um stories que dentro da minha cabeça acabou ficando muito longo e cheio de sensações, então achei válido transformar em postagem. Ainda mastigo o almoço que acabei de preparar enquanto escrevo sobre ele, e recordo que na adolescência meu prato preferido era o tal do penne com molho branco. Minha mãe tinha uns sete pratos diferentes para fazer no almoço, e apertava o shuffle sempre que podia para variar os pratos e os dias, menos quando meu irmão pedia o rocambole de carne com presunto e queijo, seu preferido, ou minha irmã as batatas fritas com bife acebolado, e pra mim o macarrão. Isso tudo aconteceu antes de eu descobrir a lasanha de berinjela, mas isso é outra história amor romântico verdadeira. Naquela época eu imaginava que o formato da massa fazia com que ela tivesse sabores diferentes, como sabor spaghetti, sabor parafuso, e claro que o sabor penne que eu amava, talvez porque o molho entrava dentro da massa, fazendo com que na hora de morder ele surgisse como surpresa cremosa na boca. E todas essas lembranças vieram porque hoje eu preparei penne com brócolis, tomate cereja, espinafre, e o molho branco. Cozinha é isso!
*Receita no final.

Quando era criança passei por uma fase das trufas, talvez minha única fase doceira. Lembro de ficar até tarde testando novos sabores como chocolate branco e limão, era mágico. Porém, comecei a me aventurar mesmo na cozinha quando fui para a faculdade e fundei uma república em uma casa incrível que custava 900 reais ao mês e tinha uma cozinha delícia com porta para o quintal. Apesar de ainda não ser moda a coisa do chef no início dos anos 2000, mal tinha Internet, o programa mais famoso era o +Você da Ana Maria Braga, criamos o costume de preparar verdadeiros banquetes na na falecida: Viralata. Foram muitas as moradoras, mas a temporada recorrente tinha a Ana (co-fundadora), Regina, Lindsay e a Ana Carol. A Ana, minha eterna roomate e comadre, fazia a "madalena", uma espécie de escondidinho com purê de batatas e refogado de carne moída, simples e fantástico. Foi ela também que copiou da nossa musa Namaria, um dos pratos mais versáteis e elegantes que eu conheço, o macarrão com molho de alho poró e creme de leite (enquanto o macarrão cozinha na água, refogue em uma frigideira azeite e manteiga com um talo grande de alho poró em rodelas, espere amolecer, depois adicione o macarrão, misture, desligue o fogo e acrescente uma lata de creme de leite, queijo ralado e noz moscada = chiquérrimo pra receber uma visita inesperada). Com a Regina aprendi o frango ao curry, outra simplicidade generosa, só refogar o peito de frango picado no alho e cebola, adicionar bastante curry, e por último creme de leite, para comer com arroz branquinho, ela também fazia uma lasanha de batata que eu nunca aprendi a fazer porque tinha muitos processos... A Lindsay fazia o clássico strogonoff quando estava inspirada e eu não trocava a água da garrafinha dela por vodka, e a Ana Carol revolucionou minha vida de caipira apresentando o virado a paulista com bisteca e tudo, antes que eu sonhasse morar em São Paulo. Só para constar, hoje em dia além de não comer mais frango e carne de porco e vaca, considero apelação usar creme de leite nas receitas, mas de vez em quando pode!  

Não tem melhor forma de demostrar afeto que cozinhando, e para mim esse cozinhar precisa ser espontâneo, puro inconsciente, e todo baseado na criação. Minha cozinha surge do que encontro na geladeira, ou da primeira coisa que olho no mercado, combinado com o clima. Comida quentinha como massa para os dias frescos, fresquinha como salada com frutas e vegetais para os dias quentes. Enquanto separo os ingredientes e imagino suas combinações, vou me transformando em alguém melhor, em alguém que vive o presente. Essa pessoa melhor se ama, e por isso é capaz de amar com maior verdade a pessoa para quem está servindo sua comida. Me considero uma boa cozinheira, e acho que cozinhar faz bem para a minha auto-estima, me lembra que eu tenho uma mente criativa e colorida e cheia de referências. Normalmente gosto do sabor do carnaval agridoce da comida tailandesa ou indiana, das nossas ceias natalinas, acho que chegamos no auge do sabor quando combinamos coisas como banana da terra, farinha de mandioca e raspas de limão, mas hoje fui mais pela simplicidade dos temperos espanhóis: aceite, ajo, sal e cebolla. Tá bom, um cadinho de noz moscada no molho porque a vida é curta demais para não usar noz moscada. 

Aufwiedersehen!!




MACARRÃO VEGETAL*
*a foto não faz justiça a essa preciosidade

- 02 brócolis grandes picados;

- 01 cebola picada;

- 03 alhos picados;

- 15 tomates cereja cortados ao meio;

- 01 colher de manteiga;

- Espinafre cortado em tiras fininhas a gosto (lembrem que ele diminui muito quando cozinha);

- Molho: 1/2 copo de leite + 01 colher de farinha de trigo + 01 pitada de noz moscada

- sal a gosto



MODO DE PREPARO
Cozinhar o penne (usei o integral), na água com um pouco de azeite, pode colocar os brócolis nessa mesma panela para dar uma cozinhada antes, corta depois pra facilitar na hora de tirar da panela. Em uma frigideira com azeite refogue primeiro o alho, depois a cebola. Acrescente a manteiga e depois os brócolis picados já um pouco amolecidos no cozimento da água. Tampe um pouco para amolecer mais, mas não muito, queremos que fique al dente. Na sequência acrescente os tomates cereja, mexa um pouco, depois o espinafre picado, mexa mais, adicione sal e por último o macarrão. Mexa bem para que o macarrão pegue o sabor dos ingredientes, e tampe a panela por cinco minutos no fogo baixo, sempre mexendo para não grudar.  Desligue e prepare o molho branco.

MOLHO
Essa é uma receita basicona pra bechamel (nome chique do molho branco). Esquente o leite no microondas mesmo, para que fique um pouco quente, acrescente a colher de café de farinha de trigo, misture bem e volte para a panela com manteiga mexendo sem parar até engrossar. Quando engrossar desligue o fogo e acrescente o sal e a noz moscada. Jogue o molho na panela com o macarrão e seja feliz!



segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Sobre dor


Texto encontrado hoje e escrito em algum momento no início de 2017.

"Pegue sua dor e transforme em arte", disse Maryl Streep na cerimônia do Globo de Ouro, e eu me pergunto, existe outra forma de criar senão pela frustração de quem por aquele momento não sente ânimo? O próprio palhaço sofre de depressão.

Ontem estava voltando de mais uma das infinitas vinte sessões de fisioterapia que preciso frequentar, mas meu joelho mal dói, mas a ressonância alertou sobre o estrago nas cartilagens e o médico foi enfático: isso pode virar artrose na velhice! Que tipo de velha eu vou ser nessa acumulação recorrente de problemas? 

Eu só queria ter o começo da manhã para nadar, mas a fisioterapia me toma todas elas!), e a gordura que eu não sei de onde vem se acumula sem ser importar com a quantidade de folhas verde escuro que eu consumo. Minha alegria é quando durmo e não penso além dos sonhos. Quando como e quando tomo uma cerveja, para no dia seguinte odiar o reflexo que vejo no ponto do ônibus por trás dos anúncios que eu produzo. Ao meu lado uma senhora lamenta ao telefone: "tem que trabalhar, tem outro jeito?".

Aufwiedersehen!!