E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Leve demais


Antes de começar a escrever esse texto, como sempre, fiz questão de organizar esse layout que deve ser justificado - nada mais calmante que um texto justificado - com uma fonte diferente de Arial porque ninguém merece escrever em Arial um texto super sincero - escolhi a despretensiosa e limpa Helvetica - e por último defini o espaço entre linhas para 1,5. Isso tudo não sem antes fazer novamente um esforço imenso para acordar, chocar minha retina com a luz das minhas quatro redes sociais, 10% no decadente facebook, 15% no old but gold twitter, 20% Linkedin e os últimos 55% no queridinho porém ordinário, Instagram, para finalmente despertar e sair da cama às 10:30h, quase sempre por uma vontade incontrolável de mijar. Volto para a cama, abraço e sinto o cheiro amanteigado da nuca do meu marido, e só então me levanto de verdade para tomar minha água com limão espremido e preparar o café.
Hoje comecei a preparar o almoço na hora do nosso desayuno porque ele teria uma prova de trabalho às 13h. Estamos devendo para os meus pais e agora para o banco, mas nos consideramos na maioria do tempo vencedores, porque as coisas não sucederam nada como imaginávamos por aqui, na imigração. Já se passaram cinco meses sem que eu possa trabalhar, normalmente eu que tenho sido nossa principal fonte de renda, e meu marido já teve uns quatro trabalhos entre uma crise existencial profissional e outra. Eis que em duas semanas chega o agendamento para a minha entrega de documentos para enfim areglar los papeles, não serei eu em breve mais um membro desse grupo vasto de sin papeles na bela Barcelona.

E enquanto preparava o almoço para ele, minha comida preferida, macarrão sem molho com o que sobre na geladeira, literalmente o que sobra porque vamos mudar de apartamento amanhã, sentia uma pequena chama de ânimo aquecer meu peito que andava frio e seco desde ontem por motivos distintos que foram enfatizados por uma cólica feroz. Aliás, antes da cólica eu havia colocado de forma errada o meu coletor menstrual, e no metrô sentia o sangue vazando como uma lembrança sórdida da adolescência, até me lembrar que sou feminista hoje, e também adulta, e que o sangue celebra a nossa natureza divina feminina. Apelar pra natureza selvagem sempre ajuda e faz sentido.

Comecei a guardar minhas roupas na mala desde segunda, hoje é sexta. Não me lembro quando me tornei essa pessoa tão cheia de manias e de uma organização quase neurótica, mas talvez eu esteja de novo sendo muito dura comigo. Arrumar as coisas, ou deixar tudo preparado com antecedência me traz uma sensação de tranquilidade, como se encontrasse vestígios do futuro enquanto organizo as coisas que levo comigo. As louças sujas na pia, ou principalmente a cama mal arrumada da noite anterior, gritam, tenho certeza. Não é possível conversar com o futuro em uma casa mal arrumada. Estou lendo Carolina de Jesus do Quarto de Despejo, e penso que ela não tinha esse luxo de arrumar as coisas, ou nem mesmo o presente do silêncio, com as brigas frequentes na favela onde não existe o particular, tudo é público. Dizem que ajuda pensar nas pessoas que estão em piores condições que você quando se sente triste, mas sempre achei isso um pouco cruel. Eu fico ainda mais triste pelas Carolinas, e sinto um pouco de asco das minhas preocupações que precisam ser legítimas para que eu sobreviva.

A cabeça humana é louca. Estava falando com meu marido esses dias sobre como essa experiência nossa de desapegar tem sido estranha. Primeiro desapeguei do meu trabalho, depois de muitas roupas, móveis, livros, nosso apartamento, nossa cama. Depois minhas amigas, São Paulo, nossa família, até que restaram nós dois e algumas malas. Lembrei do Milan Kundera e meu livro preferido nunca fez tanto sentido, “A insustentável leveza do ser”. Tive uma experiência muito gráfica da leveza em um grupo de meditação que estivemos, recebi a diksha de três pessoas com quem me conectei rapidamente, e por alguns segundos não senti o meu corpo. Foi como uma sensação geral de formigação sem a sensação da formigação, e naquele momento percebi que estaria ok morrer. Eu não era aquele corpo. Esse pensamento tem me assustado, como se eu estivesse vendo com clareza e de longe, leve demais.

E com a quase organização final dos meus papéis vem a expectativa de voltar a trabalhar, e o pensamento sobre o que eu gostaria de fazer. Foram seis meses com formato de anos, e me parece bobo voltar a me dedicar integralmente a publicidade e ao atendimento ao cliente, mas se não for isso, o que?

Aufwiedersehen!!

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

De Kéfera a Ministra Damares e os desafios da sororidade

Ver notícias ridicularizando a futura ministra e pastora evangélica Damares Alves na minha timeline do facebook tem me levantado um sinal de alerta, na verdade mais do que um alerta, uma sensação de deja vu mesmo. Há cerca de dois anos na época do impeachment da Dilma, outra figura rondava ininterruptamente as nossas timelines e ele veio a se tornar presidente do Brasil. Quando começamos a nos sentir tão superiores e viciados por esse sensacionalismo? Quando perdemos a direção do movimento de esquerda pelo social, pela integração e luta por direitos iguais para todas as pessoas, para essa necessidade de se provar tão lúcida diante dos fatos? Acho que depois do show de horrores que foi essa eleição, está claro que não existe valor moral superior para quem está na esquerda ou na direita. Claro, como alguém que se identifica com a esquerda, podemos correr o risco de nos sentirmos superiores porque por conceito "olhamos para o mais fraco", mas isso é tão abstrato, tão abstrato quanto um tweet nervoso. Escrevo sobre isso porque não sei vocês, mas não me ajudou em nada pensar que eu era superior a quem votava no Bolsonaro ou muito menos focar no HORROR, o HORROR de tudo o que ele diz, o RIDÍCULO. Estamos falando com as paredes, ou melhor, estamos circularmente adoecendo uns aos outros. 

Quebrando o tabu que é uma das páginas mais acessadas e de referência de luta pelos direitos humanos no Brasil sempre foi um lugar de encontro, de ideias, sempre me representou. Mas nos últimos meses tenho pensado seriamente em parar de segui-los. É uma notícia mais infeliz e sensacionalista atrás da outra. Crianças sendo estupradas e esquartejadas, idosas sendo estrupadas, dentre outras coisas. Entendo a necessidade de clicks, chamar a atenção, mas esse não pode ser o nosso plano porque claramente não está funcionando. Não temos o monopólio do amor, do bom senso, ninguém tem. A senhora Damares Alves é uma sobrevivente como milhões, senão quase todas as mulheres desse país, não importa o que ela diga. Todo mundo já entendeu que o nosso estado não é laico, e aí? Qual o próximo passo? Não vejo um plano claro em ficar repostando reportagens sobre quão RIDÍCULAS são as falas da futura ministra. Estamos em retrocesso com certeza, não estou negando isso, mas quando há retrocesso é preciso que haja evolução, uma resistência empática, nutridora de ideias e de entusiasmo. Somos humanos e somos fracos, essa corrente de bullying indulgente contra os "bolsominions" não está funcionando. Eu já fiz muito isso, e esse medo no peito não mudou nada desde outubro. 

E indo para um outro extremo temos o episódio de uma das mais bem sucedidas blogueiras do país, a Kéfera, que eu tive acesso em alguns dos compartilhamentos de lacração em minha timeline. Dá pra ver nos olhos dela o que gostamos de brincar ser a misandria, que é o ódio aos homens, e que na verdade não tem valor como ação de poder, porque as mulheres não possuem no poder no sistema patriarcal, misandria é irmã do racismo reverso, ou o racismo contra os brancos, não existe. E isso não é uma questão de opinião, já discuti muito sobre, é histórico. Quando eu assisti ao video parte de mim concordou com a atitude dela, mas parte de mim entendeu mais a Fátima Bernardes. Importante dizer que quando descobrimos o feminismo, e é realmente algo a ser descoberto, como crescer pensando que a roupa que eu usava era responsável pelo desejo que eu suscitava nos homens, quando descobrimos que existe toda uma estrutura perversa que odeia as mulheres, vem uma raiva enorme mesmo. Eu sentia raiva todos os dias, e muitas vezes essa raiva era direcionada aos homens, pensava que eles não tinham que fazer parte da conversa. Do outro lado da raiva, porque sou intensa e a descoberta do feminismo é catárquica, pensava que a sororidade era algo indiscutível e para todas as mulheres com quem eu me relacionasse até o dia em que tive que me relacionar diariamente com uma mulher muito mal caráter, e na prática, depois de me sentir culpada por não conseguir exercer a sororidade, entender que ela não é e nem deve ser para todas. Mulheres também são escrotas. 

O que quero dizer é que a atitude da Kéfera reflete a nossa atitude geral contra as pessoas que discordam de nós, porque no final é só isso. Precisamos ser inteligentes, diplomatas, e o tempo nos dá a sabedoria para entender o que fazer. Eu venho de um ano muito silencioso sobre a questão feminista comparado com o ano em que eu despertei para a temática. Não renego a raiva propulsora que me fez defender o movimento, falar sobre ele com minhas amigas, falar sobre ele com minha mãe, minha avó, meus amigos, e hoje colho os frutos dessa explosão, bons frutos. Não me senti confortável com a fala da Kéfera porque foi mal-educada, e a grosseria faz com que as pessoas não escutem, e no mais não foi inteligente, ainda mais em um mundo onde todos somos criados para odiar as mulheres, inclusive as mulheres, e inclusive as feministas, pra se salvar disso é só com a tal da desconstrução diária mesmo. Precisamos sempre pensar que chegamos em desvantagem no palanque da vida, nossa identificação de gênero não nos ajuda no debate, e por isso que precisamos ir além. Não aconselho que guardemos a raiva, porque ela é valiosa como motor para a mudança, mas é importante cuida-la como uma fogueira em um campo aberto, protegendo-a, não adianta atear foto na grama. 

Aufwiedersehen!!







terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A morte na tela

Esse é um desses textos que faz crossover com meu outro blog, pensando em conteúdo audiovisual, narrativa e a interface com a nossa vida diária. Quero falar sobre os significados das mortes de personagens importantes em filmes e séries, e sobre os possíveis porquês dessa escolha narrativa que tem se tornado tão comum. Lembro de ter uns dez anos e  quando vi o Simba assistir ao seu pai sendo morto dentro de um cinema que havia no centro da minha pequena cidade do interior e que hoje é uma Assembléia do Reino de Deus, em um movimento bem parecido com o que eles estão fazendo na Holanda, só que não.

Eu ouso dizer que o que faz O Rei Leão (1994), dirigido por Roger Allers e Rob Minkoff, com roteiro incrível da Linda Wooverton, Jonathan Roberts, Irene Mecchi, ser um dos melhores filmes que eu já assisti na vida, apesar de ser uma animação e eu realmente tenho um pouco de dificuldade com tudo que não seja longa metragem live action ficção, é exatamente por esse momento em que o nosso protagonista precisa iniciar uma jornada que pra qualquer pessoa se torna algo inesquecível por conta daquele momento de profunda violência e ainda mais quando cometida por alguém de confiança da família. Nos compadecemos da dor daquele filhote bobo, e quase sentimos um pouco de raiva por ele ser tão suscetível. 

Pulando um pouco no tempo, chegamos em uma das primeiras séries nessa lista de conteúdo feito para devorar no verbo to binge watch, em Lost (2004), criada por J.J Abrams, Damon Lindelof, Jeffrey Lieber, estrelada por Matthew Fox, Evangeline Lilly e Josh Holloway, lembro claramente da sensação de perder um dos personagens mais queridos, o Charlie, e como na época foi chocante pelo comentário dos espectadores, e como aquilo trouxe um pouco mais de verdade para aquela história louca que todos nós sabemos que não terminou muito bem. A morte do personagem reavivou o interesse pela série.

Impossível não falar da maior revolução em termos de narrativa, Game of Thrones (2011), criado por D.B. Weiss, David Benioff, estrelando Lena Headey, Emilia Clarke, Peter Dinklage, e Kit Harington. Eu diria que uma das maiores razões do sucesso de GOT foi a indeia louca de matar um protagonista, algo impensável até então, e justo com Ned Stark, um dos mais saudosos personagens da série, e seguiram fazendo com um ápice sanguinolento no episódio do Red Wedding. Essas mortes nefastas trazem a ficção pra perto da realidade e nos ata a narrativa porque as pessoas morrem, e a morte passa a ter significado quando pessoas amadas morrem. 



Eu agora não posso seguir comentando muito porque ainda é recente e pode se transformar em super spoiler, mas algumas outras séries recentes tomaram decisões parecidas, matar protagonistas e seguir com a série muitas vezes tem acontecido para cobrir o pedido de saída de determinado ator, e não como algo realmente construído no arco do personagem, o que normalmente não funciona muito bem. 

Me lembro da época da Copa no Brasil em 2014, no fatídico jogo contra a Alemanha, de como eu precisava daquela vitória do nosso time, estava vivendo um ano complicado, pulando de freela em freela, e a Copa significava a minha absolvição do mundo real, mas o 7x1 me deu um chute e me colocou em algum lugar de volta a realidade. Acho que o que eu quero dizer é que a ficção pode nos exercitar a perder, a não ter êxito, a desapegar, por que se existe algo que segue presente na vida do início ao fim, isso é a perda. 

Aufwiedersehen!!



sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Menos papo

No post anterior estava comemorando o fato de estar me conhecendo, e já vou pedir desculpas com antecedência pela relação de normatividade que farei na sequência, mas gostaria de falar mais sobre a extroversão compulsória brasileira. Percebi a felicidade real de estar só, ou ser deixada de lado no no bom sentido, quando fui morar em Munique, uma cidade que além de ser grande e ter todo tipo de coisa rolando, era na fria e distante Alemanha, onde ninguém vai puxar papo com você na rua, ou fazer perguntas íntimas só para passar o tempo. Antes de estar em Munique, eu vivia novamente em Araras recém formada e com meus pais, e tive uma briga meio chata com a minha mãe porque ela insistia em comentar com todas as pessoas que encontrava na rua sobre o fato de eu estar me mudando para a Alemanha. Claro que um milhão de coisas deviam estar passando na cabeça dela em um carnaval de orgulho pela filha que iria cair no mundo, e muito medo pela distância, mas aquela necessidade que ela tinha de compartilhar um fato sobre a minha vida me incomodava, chamava ainda mais atenção sobre mim. Vale dizer que eu sou leonina com ascendência também em leão, e que em teoria tudo que os leoninos querem é chamar atenção, mas talvez eu esteja simplificando o meu dilema. Não faz muito tempo que percebi que eu era introvertida, e foi graças a uma das tantas reportagens da saudosa Superinteressante que assinei durante muito tempo. Ser introvertida, aprendi com a reportagem, não significa necessariamente ser tímida, significa que você precisa estar só e recarregar as energias depois de certa quantidade de tempo de socialização. Foi um alívio enorme dar um nome para a minha quase pulsão por deitar na sala e assistir TV quietinha depois de algumas horas de um grande almoço familiar. Como boa católica essa necessidade sempre vinha cercada de culpa por talvez não apreciar de verdade o almoço em família, mas só eu sabia que precisava deo silêncio, e o quanto ele me nutria. O lance do som é uma coisa que pega muito, o ruído excessivo e contínuo, principalmente de conversas concomitantes tende a causar um desconforto enorme depois de horas, e as vezes uma saída de uma hora pode salvar tudo. Percebi que ficava muito nervosa e triste principalmente nas viagens históricas em galera, lá para o terceiro dia de convívio, e nunca compreendia que aquela sensação era apenas a de estafa psicológica mesmo. Sei hoje que o grupo ideal de parceiros de viagem são duas pessoas, no máximo quatro, e de preferência com um alto teor de intimidade. 

Algumas fobias específicas que vou fazer questão de denominar dessa forma, porque realmente me causavam muito nervoso, sempre foram as primeiras aproximações com pessoas que não tenho tanta intimidade mas que são do meu convívio. Um exemplo, em um dos meus primeiros trabalhos em que teria que ir a uma reunião com cliente, quando eu sabia que iríamos apenas mais uma pessoa e eu, costumava ficar super nervosa pensando em possíveis tópicos de conversa no carro a caminho da reunião, porque pela falta de intimidade isso não rolaria tão facilmente. Esse tipo de fobia melhorou com os anos, mas uma em especial se manteve firme, o almoço sozinha em dia de trabalho. Almoçar sozinha era o único momento do meu dia de publicitária/produtora em que teria a chance de não interagir com nenhum ser humano, mas sempre havia a pegadinha de almoçar em um lugar muito próximo da firma e topar com alguém, e o meu medo nesse caso seria ter que me sentar com o colega em questão. Não consigo explicar a aflição que eu sentia por considerar perder aquele horinha preciosa de limpeza mental, e nem vou entrar na temática de comer em frente a pessoas com quem não tenho muita intimidade, para mim esse lance de reunião de trabalho/almoço não faz o menor sentido, comer é celebrar, e reunião não combina muito com isso.

Não sei dizer ao certo o que acontece, mas me peguei relembrando essa questão da culpa porque hoje vivemos meu marido e eu com outro casal aqui em Barcelona, e ontem como já aconteceu outras vezes, ele ficou na sala conversando com o casal, enquanto eu continuava no quarto assistindo a uma série. A coceirinha da culpa por parecer talvez antipática veio dar oi, e acho que ela nunca vai me deixar. Fico cansada por constantemente lutar contra a minha introspecção, me forçar a sair e interagir, já me esforcei muito em relação a isso, há anos, mas se essa viagem me permitiu algo foi abraçar quem eu sempre fui, antes de tomar a decisão de me tornar comunicadora. Eu sou a criança que brinca sozinha o dia todo, para depois ter vontade de brincar com outras crianças quando elas chegam, porque está sempre renovada em sua introspecção. Escrever, ler, cozinhar são minhas festas particulares, e recentemente graças a um trabalho voluntariado, tenho feito traduções e descoberto outro mundo incrível. Me sinto bem contente com passatempos não normativos, como andar de ônibus durante horas sem falar nada, olhando a vida la fora passar, amo sentir o movimento, e assimilar o fato de apenas estar enquanto minha mente segue no seu ritmo. Esses dias conversando com uma amiga concluímos que isso de estar no ônibus quieta não deixa de ser um tipo de meditação, porque não?

Sobre os ruídos, eles seguem me incomodando, apesar de ser apaixonada por música, e principalmente ao jazz devo uma epifania: existe massagem para o cérebro.

 
Noite dos meus autógrafos no lançamento do meu livro de bolso baseado neste very blog - se eu escrever outro livro não gostaria de fazer isso novamente.


Aufwiedersehen!!

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Prazer em me conhecer


São 12h de uma terça-feira qualquer em Barcelona. Estamos no Outono, mas ontem o Inverno veio dar um oi nessa ressaca eleitoral brasileira. De acordo com o meu Android - porque não sou socialista de iphone - faz 7 graus lá fora, e pela primeira vez na vida sinto uma certa simpatia pelo frio. Quando chegamos aqui no final de junho já fazia calor, com um vento suave que vinha do mar para refrescar os entardeceres às 22h. Até que veio o fim de semana seguinte ao meu aniversário, dia 5 de agosto, o dia mais quente da minha vida, que me deixou prostrada no sofá sem conseguir me mover. Estou gostando do frio porque hoje ele me permite ser quem preciso ser agora: a migrante introspectiva do interior de São Paulo convertida em imigrante sem papéis. Um problema no pé e a demora para finalização dos meus papéis de trabalho por aqui me impediram de seguir no ritmo que estava acostumada na última década. A menina desligada e desajeitada por ter crescido demais e muito rapidamente, deu lugar a uma workaholic conectada 24 horas por dia, seja no trabalho, seja nas redes sociais, seja aos milhares de amigos a sua volta. Foi excitante me transformar nessa mulher incisiva, às vezes até mesmo brava, foi ela que me levou para Nova Iorque e por dez dias andamos por aquelas ruas falando o inglês que aprendemos com as milhares de séries e filmes. E então ela casou, veio para Barcelona e não pôde trabalhar. Estava longe das amigas, da família, e foi aí que entrou a comida. São 12h de uma terça-feira qualquer friorenta, e comecei esse texto para contar que eu me peguei beijando o biquinho da jarra do liquidificador. A razão de tamanho afeto era o húmus - pasta de grão de bico, alho, azeite, sal e suco de limão - que acabava de bater, e que me fez perceber que talvez cozinhar tenha salvado minha vida, de novo.

Antes de seguir às evidências, gostaria de compartilhar uma situação minha com o Universo, ou a força maior que rege tudo, ou simplesmente, Elza Soares. Os movimentos que a vida faz têm uma sabedoria incrível, o que não quero que vocês entendam como uma afirmação #gratiluz, mas mais como uma concessão cansada mesmo de quem já tentou lutar muito contra. Aceitar é mais importante que lutar, e na verdade, manter-se sã no meio desse caminho é a grande chave do sucesso. Me incomoda hoje a sensação de viver dentro do mundo de Truman, sei que não sou tão importante assim pro universo, senão Jair Bolsonaro não teria sido eleito - nunca vou superar isso - mas sinto que precisamos rever o conceito de livre arbítrio, e aqui, meu ponto de vista é realmente laico - diferente do estado brasileiro, tá parei - apenas uma impressão do quanto somos minúsculos, de que existe sim o fator sorte, e isso inclui privilégio também, e no final das contas para sobreviver hoje é muito mais importante ser flexível que corajosa.

E então, como disse algumas vezes nesse very blog, não somos especiais, mas precisamos nos conhecer. E nesse sentido, a nossa educação em relação a sociedade falha tremendamente. Primeiro porque lutamos boa parte de nossas vidas para sermos aceitos - estou falando em nome dos velhos milleniuns, não sobre essa nova geração super afirmativa que nasceu no orkut. Quando lutamos para sermos aceitos, baseamos nossas escolhas em fatores externos que muitas vezes são nocivos a nossa personalidade. Vou dar um exemplo prático: na Unesp de Bauru havia três faculdades: Faculdade de Ciências, Engenharia, e finalmente a FAAC, de arquitetura, artes e comunicação, onde meu curso de relações públicas estava. No final do meu primeiro ano, já talvez brotando a publicitária em mim, resolvi entrar na Atlética do campus, que era majoritariamente formada por engenheiros, e por lá eu fiquei trabalhando na diretoria de comunicação por mais dois anos. Isso fez com que as minhas primeiras festas com Caetano Veloso, Mutantes, Nação Zumbi, Funk como le Gusta, Teatro Mágico e cia, desse lugar para os Inimigos da HP e o Chiclete com Banana. E não vou dizer que não “Valeu, o nosso amor valeu demais!”, morro de saudade das micaretas e das reuniões de domingo na Atlética, apesar do clima machista do início do séc XXI ser totalmente normalizado. Meus amigos engenheiros são meus amigos até hoje, estamos juntos a quase quinze anos, em Bauru, Maresias, Las Vegas, São Paulo, passando pelo rompimento de muitos namorados e namoradas, casamentos, filhos, tudo não necessariamente nessa ordem. Mas minha cabeça não consigo deixar de me perguntar como teria sido reconfortante ter participado mais das festas hipongas da FAAC, pessoas que agora reencontro com a mesma ideologia, na esquerda, no feminismo atuante, na discussão de gênero.

A faculdade foi um interlúdio louco, quatro anos de liberdade pura para testar quem eu era, até o último, quando a magia começou a dissipar para mostrar um futuro que não era certo porque não consegui me reconhecer e me empoderar nos três anos anteriores. Eu era infantil, e só passaria pela minha primeira prova real com o desemprego de seis meses ao voltar para a casa dos meus pais em Araras, e que só seria superado pelo desemprego que empreendi ao sair do meu primeiro trabalho na publicidade paulistana, e que ia muito bem há quase quatro anos, enquanto por dois anos pulei de freela em freela. Precisei voltar a pedir ajuda ao meu pai e fui obrigada a rever quem eu era, não sem uma grande tristeza muito parecida com depressão me empurrando para dentro do meu quarto. Em agosto de 2013 resolvi mudar para um apartamento sozinha, depois de ter morado com amigas nos últimos nove anos. Era uma urgência incontrolável para me encontrar, mas demorou para que eu mesma pudesse confiar nesse encontro. Corri com a arrumação do que carinhosamente chamava como meu studio, e depois de me sentir feliz com a direção de arte e todos meus livros expostos na sala, encontrei uma tristeza imensa que vem nos abraçar no ócio. Nas crises tentava considerar se não era talvez uma questão de lugar, se não estaria melhor em Araras, ou junto com as minhas amigas, para depois perceber que não havia um lugar que pudesse me separar de mim mesma, e então eu ficava ali na cama, as vezes em posição fetal, as vezes chorando, esperando que a sensação do nada passasse.

Um dia resolvi ir para cozinha e comecei a inventar coisas. Gostei da sensação de não pensar em nada além da combinação de sabores, em cortar coisas e depois limpar a louça. Costumava ir ao mercado e escolher o primeiro ingrediente que via pela frente para decidir o que faria depois. Minha especialidade era o macarrão sem molho, feito com base de alho, cebola e tomate, e o que tivesse na geladeira. Também comia tapioca com banana e canela todas as manhãs, até enjoar. Aquela cozinha que era só minha apesar de ter um fogão elétrico muito fraco - só depois de um ano descobri que ele deveria ser ligado no 220v - foi o meu lugar de fuga. E enquanto criava a comida, e sentia os cheiros, me reconectava com algo que já não lembrava mais, talvez minhas avós. E então passei a chamar as pessoas para me visitarem, cozinhar para elas, e rapidamente o studio se transformou em um lugar quentinho de encontro e comida.  Foi nesse momento que conheci meu marido, depois de muitas derrapadas românticas, e aqueles 38m2 da João Ramalho vão ficar sempre marcados como o lugar onde eu me conheci de verdade. 

Na cozinha havia uma insistência com os vegetais, os temperos, a berinjela reinava firme no meu coração juntamente com o tomate e o manjericão. Descobri novos preparos, curry, a cozinha asiática, Masterchef era meu programa preferido de todos os tempos - ainda é - cheguei a fazer uma campanha e filmar com o Jamie Oliver de quem eu copiava o jeito apaixonado de preparar as coisas com as mãos e de forma quase impetuosa. De lembrar da mágica ácida de um bom limão espremido com a picância de uma pimenta dedo de moça. Meu trabalho me levava a fotografar alimentos, e a estar com chefs renomados brasileiros, e hoje estou aqui, na Catalunya, que apesar do que os independentistas possam dizer, é a Espanha. Aqui o tempero é contido: alho, cebola, azeite e sal. Dificilmente usam ervas ou especiarias, de qualquer forma me coloquei a empreender dois clássicos daqui, as patatas bravas e croquetas, e foi o auge da minha diversão. Me tornei também mezzo vegetariana, priorizando vegetais a carnes, comendo só de vez em quando peixes e ovos. Tirar carne foi como tirar uma distração, percebi a riqueza de combinações possíveis com vegetais e leguminosas, e até mesmo me permito fazer algumas frituras vez por outra. Tem sido muito divertido, o meu corpo curtiu a ideia, meu intestino nem se fale, e os cheiros e sabores passaram a fazer uma festa ainda mais suntuosa no meu paladar.

Não sei o que vai ser de mim, do meu futuro. Tenho escrito bastante, para depois ler, para depois assistir filmes, escrever mais um pouco e cozinhar, mas sigo amando produzir filmes. Não reconheço mais a felicidade histérica da faculdade ou dos fins de semana, vivo pisando em ovos, seguindo pistas e ainda não me encontrei, talvez nunca me encontre. Posso estar enlouquecendo ou posso estar chegando lá. De qualquer forma, tem sido um prazer me conhecer.

Patatas bravas com molho caseiro criado por mim (não acertei na fritura, mas tava delícia)


Aufwiedersehen!!

sábado, 27 de outubro de 2018

O país onde eu cresci não existe mais

Eu cresci em um país bonito, onde as pessoas se tratavam bem e eram sempre simpáticas. Essas pessoas "não queriam incomodar" quando lhe ofereciam um café ou um suco, sempre pediam "desculpa qualquer coisa", como precaução antes de sair, e nunca achavam necessário o presente que recebiam, mesmo quando era aniversário. No Brasil, crescemos evitando dizer o que pensamos e como nos sentimos em uma cordialidade e sensações perenes de paz e ausência de conflito. Nossa "secretária do lar" é praticamente da família, mesmo sendo negra, e "olha que ela é super honesta". Mas não, no país onde cresci não existia racismo, tinha certeza, apesar de mais da metade da população ser negra, mesmo assim, durante os onze anos de estudo em uma escola particular graças ao fato de minha mãe ser professora e coordenadora, ter tido no máximo três colegas negros. Cresci em um país que ama eufemismos como o "politicamente incorreto" da Regina Duarte, e que fazia piada de quem já é fodido, eu mesma já ri, não importa que lá no fundo do meu estômago algo indigesto esquentava. Esse país do palmitão do Danilo Gentili - não, o racismo reverso não existe e não se trata de opinião, trata-se de dívida histórica mesmo. Mas nos últimos anos, talvez cinco, algo aconteceu com meu país. As mulheres pediram Chega de fiu fiu, outro eufemismo que propiciou iniciar um diálogo sobre a cultura do estupro, e a alarmante epidemia de homicídio de mulheres que ousavam dizer não a seus parceiros, fora as que sobrevivem e sobreviveram, estupradas mesmo.  As piadas do Gentili passaram a não ter graça para muitas de nós que tivemos a sorte de encontrar o feminismo, ou graças as amigas queridas que nos levaram para a luz, e também alguns homens e parceiros e irmãos. O Chega de Fiu Fiu que veio do Think Olga, como a Benário, que nos anos quarenta foi entregue grávida de uma criança brasileira para um campo de concentração - gostaria de saber onde estavam os movimentos "pró-vida" - desculpa mas tem que ser entre aspas - e o "Brasil acima de todos", naquela época.

Direciono esse texto a minha pequena bolha, porque quero ser otimista. Essa bolha que me abraça desde que cheguei em São Paulo, a galera do audiovisual, meus amigos de comunicação e artes de Bauru, alguns amigos e amigas de infância. Meus pais, primos e irmãos, que concordam com o meu posicionamento frente a atual onda de polarização política iniciada em 2014, quando pensava que o tal do "Laércio" era o maior perigo frente a tudo que eu acreditava. Venho daqui de longe, reivindicar a vida que construí no melhor país do mundo nos últimos trinta e três anos, pra dizer que acredito no nosso futuro. Perdi muitas batalhas nessa jornada contra o Bolsonaro, uma semana de luto e muito chororô depois de resolver sair de um grupo de amigas de infância. Mais choro e descrença até a decisão de passar a próxima semana um pouco distante das redes sociais, para depois voltar e ler textos enviados "do outro lado", com uma visão crítica do PT do Haddad que já estava enxergando como o salvador da pátria e das criancinhas. Foi um exercício recorrente de pêndulo, de um lado para o outro, para entender que estamos todos juntos, salvo alguns fascistas reais saídos do armário e que por esse acaso de terror 17 ganhamos por tirar de nossas vidas.  

Esse texto deve ser lido hoje, sábado dia 27, antes das eleições de amanhã para decidir o segundo turno do maior cargo executivo do Brasil. Coincidentemente na segunda é aniversário do meu pai, o cara que se filiou ao PSDB ainda em tempos de ditadura, quando o tucano vivia na esquerda. O melhor cara que existe, e que vejo através dos nossos whatsapp videos, sem palavras diante do fenômeno político atual. Um cara que no auge dos seus mais de sessenta anos enxerga a possibilidade de um colapso ambiental frente a concessão amazônica que já está prevista em plano de governo pelo candidato em vantagem em favor dos agropecuaristas (e se você ainda não sabe o estrago que a pecuária faz no mundo, ainda é tempo de assistir Cowspiracy, tem no Netflix). Meu pai acredita que o Haddad e o PT deveriam abrir mão da candidatura e deixar que o Ciro Gomes entre para vencer esse segundo turno a despeito do antipetismo. Não era hora para o PT, e esse risco que eles escolheram correr contra o Brasil deve ser lembrado e cobrado. 

Apesar de algumas pessoas pensarem que já não tenho que dar pitaco sobre a política do país onde vivi mais de trinta anos por estar a quatro meses morando fora, quero dizer que acredito que o país onde eu cresci já não existe mais. Ele é jovem e recém saído de uma ditadura - mais especificamente no ano em que eu nasci, 1985 - e está amadurecendo. Não vamos voltar a ela porque pela primeira vez na vida enxergo um país desperto, o senhorzinho do Engenho está nu, e sim, talvez ele seja eleito amanhã, mas os escravos estão organizados contra o mico que é Jair - falso - Messias. As minorias estão orgulhosas, reproduziram mil placas da Marielle Franco, enquanto o Danilo Gentili faz piada gordofóbica da candidata a vice-presidência do partido que é oposição ao mico. Eles já perderam e isso é só o início da virada. Boa eleição a todos e muito respeito. Dito isso, sou Haddad com Manu vice, e sonho com a representatividade que eles podem oferecer ao melhor país do mundo #13



Aufwiedersehen!!

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Arrumação

Há três anos a minha chefe na época, comentou sobre um livro de arrumação de uma autora japonesa que tratava das formas mais bem sucedidas de organizar a casa, e estava muito animada dizendo que o pequeno livro havia mudado sua vida. Apesar de não ter procurado pelo livro então, não pude deixar de ficar impactada pelo "mudar a vida", a ponto de depois de todo esse tempo, morando em outro país, e sem encontrar minha ex-chefe, eu me lembrar disso a ponto de mandar uma mensagem pedindo o nome da mágica japonesa: Marie Kondo.  Não somente porque a minha chefe é uma das pessoas mais organizadas que eu conheço e por isso ter ficado curiosa para saber o que mais um livro poderia ter ensinado a ela, apesar do título auto-ajuda: "A mágica da arrumação: a arte japonesa de colocar ordem na sua casa e na sua vida", descobri também que ele chegou a estar na lista de mais vendidos do New York Times com dois milhões de exemplares, mesmo tratando de um assunto que muitas vezes considerado supérfluo. Existe uma máxima que eu acho que é do Elvis, sobre milhões de pessoas não serem todas idiotas, ou algo do tipo que me faz sempre estar fascinada pela cultura pop, é que eu tinha a possibilidade de tempo livre que só os contratempos da imigração me permitiram, e o ócio que ainda quero estudar a fundo, acabou me jogando para esse livro que comecei a ler na segunda, e já senti mexer muito com a minha forma de pensar. Ainda estou em 40% da minha versão e-book, mas já posso adiantar que nas poucas sessenta e tantas páginas (o livro tem 160), pude compreender que a disposição do lugar que você mora faz diferenças razoáveis no jeito que você resolve viver. Me lembrei das tantas vezes em que minhas sensações já rodearam o espaço onde eu morava, como uma grande leveza aos sábados de manhã ouvindo uma música alegre, arrumando a casa, lavando e depois pendurando minhas roupas cheirosas, ou também nas vezes em que fazia essas mesmas coisas, mas para procrastinar um trabalho, só que desta vez gerando frustração 

Marie Kondo trata roupas e meias como se fossem seres animados, enfatizando a necessidade de serem bem dobradas, guardadas e energizadas, o que não parece tão louco se pensarmos que as roupas cobrem nosso corpo todos os dias, e ainda mais em termos de sustentabilidade e durabilidade do produto. O método que ela vem aperfeiçoando desde criança foca na base da nossa existência e na forma como acumulamos tudo. Energia, relações, desculpas, isso sem falar da poeira que vem com tudo isso, para os companheiros alérgicos. O mais interessante é que ela afirma que nunca teve uma recorrência nas consultorias que fez, porque o correto não é precisar arrumar sempre, mas apenas uma única vez e de forma certeira. Pensar eme não precisar mais arrumar nada é uma revolução drástica no modo como gerimos a vida, e nos faz ganhar não só quantidade, mas qualidade de tempo. Vivemos em um momento caótico todos sabemos, eu pessoalmente iniciei esse processo de arrumação e desapego de roupas, sapatos, bolsas e livros no começo do ano para mudar de país, confesso que a quantidade de coisas acumuladas em dez anos de vida em São Paulo foi assustadora, e até hoje, vivendo com o mínimo e muito pouco dinheiro em Barcelona, ainda me pego pensando em abrir mão de outras coisas. A grande questão é que não precisa e nem é para ser assim, precisamos aprender a comprar o que realmente precisamos, e na verdade, como Kondo diz, é algo maior que isso, só mantemos e/ou compramos o que nos faz essencialmente felizes. Isso é profundo e exige um enorme auto-conhecimento. 

Por isso estou guardando o livro com carinho e lendo de forma mais lenta para conseguir pensar muito sobre tudo que ela diz. Hoje decidi organizar as fotos guardadas no meu computador, e além das milhares de repetições e memes que vêm na onda do download do whatsapp, encontrei momentos incríveis, imagens enviadas por amigas e amigos de ex-namorados e namoradas, os bebês que iam crescendo e me emocionando no desktop, as várias selfies que fiz para mim mesma, e ao som de música clássica por indicação da Marie, fui sentindo também um pouco da minha alma sendo reciclada.

Aufwiedersehen!!


                              como não amar essa fada?



quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Cozinhar para amar

Isso seria um stories que dentro da minha cabeça acabou ficando muito longo e cheio de sensações, então achei válido transformar em postagem. Ainda mastigo o almoço que acabei de preparar enquanto escrevo sobre ele, e recordo que na adolescência meu prato preferido era o tal do penne com molho branco. Minha mãe tinha uns sete pratos diferentes para fazer no almoço, e apertava o shuffle sempre que podia para variar os pratos e os dias, menos quando meu irmão pedia o rocambole de carne com presunto e queijo, seu preferido, ou minha irmã as batatas fritas com bife acebolado, e pra mim o macarrão. Isso tudo aconteceu antes de eu descobrir a lasanha de berinjela, mas isso é outra história amor romântico verdadeira. Naquela época eu imaginava que o formato da massa fazia com que ela tivesse sabores diferentes, como sabor spaghetti, sabor parafuso, e claro que o sabor penne que eu amava, talvez porque o molho entrava dentro da massa, fazendo com que na hora de morder ele surgisse como surpresa cremosa na boca. E todas essas lembranças vieram porque hoje eu preparei penne com brócolis, tomate cereja, espinafre, e o molho branco. Cozinha é isso!
*Receita no final.

Quando era criança passei por uma fase das trufas, talvez minha única fase doceira. Lembro de ficar até tarde testando novos sabores como chocolate branco e limão, era mágico. Porém, comecei a me aventurar mesmo na cozinha quando fui para a faculdade e fundei uma república em uma casa incrível que custava 900 reais ao mês e tinha uma cozinha delícia com porta para o quintal. Apesar de ainda não ser moda a coisa do chef no início dos anos 2000, mal tinha Internet, o programa mais famoso era o +Você da Ana Maria Braga, criamos o costume de preparar verdadeiros banquetes na na falecida: Viralata. Foram muitas as moradoras, mas a temporada recorrente tinha a Ana (co-fundadora), Regina, Lindsay e a Ana Carol. A Ana, minha eterna roomate e comadre, fazia a "madalena", uma espécie de escondidinho com purê de batatas e refogado de carne moída, simples e fantástico. Foi ela também que copiou da nossa musa Namaria, um dos pratos mais versáteis e elegantes que eu conheço, o macarrão com molho de alho poró e creme de leite (enquanto o macarrão cozinha na água, refogue em uma frigideira azeite e manteiga com um talo grande de alho poró em rodelas, espere amolecer, depois adicione o macarrão, misture, desligue o fogo e acrescente uma lata de creme de leite, queijo ralado e noz moscada = chiquérrimo pra receber uma visita inesperada). Com a Regina aprendi o frango ao curry, outra simplicidade generosa, só refogar o peito de frango picado no alho e cebola, adicionar bastante curry, e por último creme de leite, para comer com arroz branquinho, ela também fazia uma lasanha de batata que eu nunca aprendi a fazer porque tinha muitos processos... A Lindsay fazia o clássico strogonoff quando estava inspirada e eu não trocava a água da garrafinha dela por vodka, e a Ana Carol revolucionou minha vida de caipira apresentando o virado a paulista com bisteca e tudo, antes que eu sonhasse morar em São Paulo. Só para constar, hoje em dia além de não comer mais frango e carne de porco e vaca, considero apelação usar creme de leite nas receitas, mas de vez em quando pode!  

Não tem melhor forma de demostrar afeto que cozinhando, e para mim esse cozinhar precisa ser espontâneo, puro inconsciente, e todo baseado na criação. Minha cozinha surge do que encontro na geladeira, ou da primeira coisa que olho no mercado, combinado com o clima. Comida quentinha como massa para os dias frescos, fresquinha como salada com frutas e vegetais para os dias quentes. Enquanto separo os ingredientes e imagino suas combinações, vou me transformando em alguém melhor, em alguém que vive o presente. Essa pessoa melhor se ama, e por isso é capaz de amar com maior verdade a pessoa para quem está servindo sua comida. Me considero uma boa cozinheira, e acho que cozinhar faz bem para a minha auto-estima, me lembra que eu tenho uma mente criativa e colorida e cheia de referências. Normalmente gosto do sabor do carnaval agridoce da comida tailandesa ou indiana, das nossas ceias natalinas, acho que chegamos no auge do sabor quando combinamos coisas como banana da terra, farinha de mandioca e raspas de limão, mas hoje fui mais pela simplicidade dos temperos espanhóis: aceite, ajo, sal e cebolla. Tá bom, um cadinho de noz moscada no molho porque a vida é curta demais para não usar noz moscada. 

Aufwiedersehen!!




MACARRÃO VEGETAL*
*a foto não faz justiça a essa preciosidade

- 02 brócolis grandes picados;

- 01 cebola picada;

- 03 alhos picados;

- 15 tomates cereja cortados ao meio;

- 01 colher de manteiga;

- Espinafre cortado em tiras fininhas a gosto (lembrem que ele diminui muito quando cozinha);

- Molho: 1/2 copo de leite + 01 colher de farinha de trigo + 01 pitada de noz moscada

- sal a gosto



MODO DE PREPARO
Cozinhar o penne (usei o integral), na água com um pouco de azeite, pode colocar os brócolis nessa mesma panela para dar uma cozinhada antes, corta depois pra facilitar na hora de tirar da panela. Em uma frigideira com azeite refogue primeiro o alho, depois a cebola. Acrescente a manteiga e depois os brócolis picados já um pouco amolecidos no cozimento da água. Tampe um pouco para amolecer mais, mas não muito, queremos que fique al dente. Na sequência acrescente os tomates cereja, mexa um pouco, depois o espinafre picado, mexa mais, adicione sal e por último o macarrão. Mexa bem para que o macarrão pegue o sabor dos ingredientes, e tampe a panela por cinco minutos no fogo baixo, sempre mexendo para não grudar.  Desligue e prepare o molho branco.

MOLHO
Essa é uma receita basicona pra bechamel (nome chique do molho branco). Esquente o leite no microondas mesmo, para que fique um pouco quente, acrescente a colher de café de farinha de trigo, misture bem e volte para a panela com manteiga mexendo sem parar até engrossar. Quando engrossar desligue o fogo e acrescente o sal e a noz moscada. Jogue o molho na panela com o macarrão e seja feliz!



segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Sobre dor


Texto encontrado hoje e escrito em algum momento no início de 2017.

"Pegue sua dor e transforme em arte", disse Maryl Streep na cerimônia do Globo de Ouro, e eu me pergunto, existe outra forma de criar senão pela frustração de quem por aquele momento não sente ânimo? O próprio palhaço sofre de depressão.

Ontem estava voltando de mais uma das infinitas vinte sessões de fisioterapia que preciso frequentar, mas meu joelho mal dói, mas a ressonância alertou sobre o estrago nas cartilagens e o médico foi enfático: isso pode virar artrose na velhice! Que tipo de velha eu vou ser nessa acumulação recorrente de problemas? 

Eu só queria ter o começo da manhã para nadar, mas a fisioterapia me toma todas elas!), e a gordura que eu não sei de onde vem se acumula sem ser importar com a quantidade de folhas verde escuro que eu consumo. Minha alegria é quando durmo e não penso além dos sonhos. Quando como e quando tomo uma cerveja, para no dia seguinte odiar o reflexo que vejo no ponto do ônibus por trás dos anúncios que eu produzo. Ao meu lado uma senhora lamenta ao telefone: "tem que trabalhar, tem outro jeito?".

Aufwiedersehen!!

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Cuidado com o que você deseja

Quando escrevemos um roteiro de filme ou série existe uma premissa na construção de personagens, que é entender o que ele ou ela desejam, mas também saber em contrapartida qual é o melhor caminho no arco narrativo dele ou dela, ou o que vai fazer com que esses personagens realmente sofram uma transformação. E uma escolha entre o querer, o que motiva esse personagem, e o precisar. Quais os conflitos? Isso não deixa de valer um pouco para nós enquanto seres humanos reais vivendo nossas vidinhas. Pelo menos quero usar um pouco essa metáfora por enquanto porque me deixa mais plena enquanto vivo os meus próprios conflitos, pensando que ele estão agregando valor ao meu arco narrativo.

Temos no mínimo duas linhas que dividem o que queremos e o que precisamos fazer. Colocando de uma forma bem simplista, alguns diriam que nossa alma ou nosso inconsciente buscam algo, enquanto o ego ou o superego apontam para um caminho mais tangível, normalmente aquele formado por uma conjuntura de valores, aprendizados e expectativas acumulados durante uma vida em sociedade. Há quem diga: siga sem dúvidas a sua alma, ou aqueles e aquelas que prefiram contar com a segurança de seguir objetivamente o ego, mas na maioria das vezes não existem formas prontas de diferenciar os pedidos de um ou de outro.

Na infância me lembro de ter falado com uma grande sabedoria que não queria nunca deixar de ser criança, e menstruar foi uma das minhas maiores decepções. Naquela época o ego estava incipiente, e a magia da criança funcionando como a magia da poesia, na improvisação, na linguagem concreta. Mas eu fui crescendo com um caráter muito sereno, brincalhão, e completamente avesso a conflitos. Ao crescer, penso que meu esforço foi seguir a linha traçada pelo ego, pelo que é considerado como certo na sociedade, esse caminho que sempre me pareceu mais seguro. Mas então eu casei e me mudei de São Paulo para Barcelona, a agora faz dois meses e meio que cato os restos mortais de uma couraça que não sabia carregar até então. Minha alma aproveitou meu momento vulnerável e entrou com tudo no meio do caminho, como se fosse uma segunda pessoa dentro mim.

Como os cookies que o nosso computador acumula, que são como "sujeiras" deixadas pelos downloads que fazemos ao acessar sites diversos e acabam deixando toda a máquina mais lenta, com as informações que colhemos diariamente sem perceber, se não trabalharmos na limpeza desses cookies, que são também as sensações e traumas vividos, tudo isso tende a se acumular no lugar mais fundo do nosso inconsciente que funciona como uma lixeira que por ser finita, em dado momento não suporta mais a quantidade de cookies e os catapulta para fora da nossa cabeça, transformados muitas vezes em sensações psicossomáticas.

Eu já morei fora do país, e apesar de ter talvez ignorado o pressuposto de que isso havia acontecido há dez anos, além de ter sido vivido por uma pessoa bem diferente, estava segura de que sentiria novamente aquela sensação de pertencimento vivido justamente no momento em que eu deixava tudo para trás, e me pegava sozinha em outro continente. Eu tinha certeza de que todo o caminho de preparação e despedidas antes de chegar até aqui seriam a parte mais difícil dessa mudança, mas não imaginava que logo que chegasse em Barcelona eu me encontraria comigo mesma, estrangeira e sem as minhas verdade tão confortáveis, conquistadas e pré definidas.

A burocracia aqui está em colapso pelo grande número de pessoas buscando oficializar a papelada, e por esse motivo, mesmo com uma oferta de trabalho desde julho, eu só conseguirei por enquanto ter os meus papéis em dezembro, talvez janeiro de 2019. Não me lembro mais como é ficar sem trabalhar. Aqui não sou produtora, não sou RP, nem a amiga, nem a filha, nem a irmã. Aqui, por incrível que pareça, meu reconhecimento está no meu casamento. Sou casada com um espanhol, e por isso posso ficar, mas trabalhar ainda não. O motivo da minha raiva, que agora meio que se transforma em um riso cansado e totalmente irônico, é que venho lutando pela minha identidade, meu ego tão precioso, minha marca, mas quanto mais tento sair dessa inércia identitária, mas fundo o universo me empurra para focar na minha alma, longe das pré disposições de um trabalho formal.

Fora a burocracia, eu já estava sentindo algumas dores na sola do pé antes de vir pra cá, mas logo que saí do aeroporto com minhas malas senti o peso dessa mudança. A dor era resultado de um conjunto de escolhas, mas hoje eu sei que ela vinha do arranque das minhas raízes, e ainda as sinto sairem de mim aos poucos, dois meses e meio depois. Eu tenho sentido muita raiva por isso tudo, e no dia do eclipse lunar de agosto, em um dos meus tantos pedidos de socorro (peçam socorro, tá tudo bem!), minha amiga e guru particular me enviou uma meditação para conversar com a minha criança interior. E então, enquanto acompanhava a voz suave da mulher que dirigia a meditação, de volta para a casa da minha infância, lá estava eu mesma em uma idade não muito reconhecível, entre os 6 e 9 anos. Ela brincava sozinha e quando me viu chegando segurou minha mão. Na meditação o pedido que se faz é para que a adulta afague a raiva da criança interior, mas nesse caso foi a criança que me abraçou. Ela me disse pra seguir chorando, que eu precisava desabafar porque ela não queria e nunca quis dar trabalho, e que o que eu estava vivendo era o nosso momento.



Então aos poucos, quando a fumaça na minha cabeça se dissipa, me percebo em Barcelona, como havia sonhado, ouvindo outras línguas, conhecendo outros costumes, sentindo outros cheiros. E nesses pequenos momentos eu me lembro que eu quis. Tudo isso. Se tem sido bom? Não, tem sido assustador.

Aufwiedersehen!!

domingo, 22 de julho de 2018

O tédio é subestimado

Uma vez eu postei no Facebook sobre como o tédio era subestimado e algumas pessoas concordaram. Sinto falta do tédio. Sinto falta da certeza de lavar minhas roupas logo pela manhã enquanto escuto o barulho dos pássaros nas Perdizes, que se misturava com a voz de Bob Marley que toca do spotify do meu notebook, cujo carregador já possui lugar cativo no canto esquerdo da sala, em cima do pallet que compramos em uma quebrada por R$ 50,00, para depois lixar e pintar de azul, nossa cor preferida.

Estou morando em Barcelona, é julho e verão,  faltam exatos 7 dias para o meu aniversário de 33 anos, e para os que acreditam estou quase no final do meu inferno astral. Há! Que inferno queridos, eu moro em Barcelona! Eu não trabalho e meu único compromisso é acordar na sala dos nossos amigos, trocar de roupa, tomar um café e ir para a academia que aqui custa 30 euros com piscina. Quando volto para casa meu marido está me esperando, algumas vezes com o almoço hecho, sem quaisquer dos tempos e movimentos naturais da vida adulta paulistana. Mas mesmo assim, não paro de pensar naquele apartamento na Campevas.

Era 2016, junho, fazia um frio insuportável em São Paulo, e no nosso mais novo “nosso” apartamento, não havia móveis. Ele não queria correr com a decoração, “deixa estar…", “vamos curtir isso tudo…”, ele dizia. Eu não via a hora de transformar aquilo tudo em nosso realmente. A decoração com os sofás onde nos estatelaríamos sempre que possível naquela sala ampla com a janelona que dava para um bambuzal. A TV que ainda não sabíamos direito em que lado ficaria, para contrapor com um grande quadro que eu trouxera do meu outro apartamento. Era o meu segundo Edward Hopper preferido, um pôster que comprei na Internet e mandei enquadrar na minha cidade natal que fica no interior de São Paulo, onde tudo é mais barato. O pôster que na hora que virou quadro ficou com aparência enrugada como se tivesse entrado em uma piscina, mas tudo bem. Meu encanto por Hopper passa pela minha paixão pelo cinema, e a forma como ele faz pinturas fotográficas. No quadro, de fora vemos uma mulher e um rapaz sentados nos bancos de um bar. Eles estão lado a lado porém solitários. É lindo e triste, como a metrópole que passa do lado de fora desse bar, como a metrópole que passava por fora da nossa nova casa.

Na nossa primeira noite na Campevas dormimos no colchão, uma das poucas peças existentes na nova casa. O chão era muito frio, e por algum motivo a luz ainda não funcionava, então era escuro e frio, junho em São Paulo. Tínhamos um cobertor mequetrefe, e nos cobrimos, e nos abraçávamos sem banho, porque o chuveiro era puro gelo. Foi péssimo, mas hoje parece lindo, o melhor lugar para se estar. Nossos pais estavam próximos, nossos amigos, nosso país e nossos direitos. Por que o ser humano é assim tão indecente? Por que o presente nunca tem charme?

Sinto falta da casa que eu decorei pra nós. Lá, meu notebook tinha um lugar cativo para ser carregado, enquanto aos sábados e sem precisar pensar no horário, lavávamos as minhas roupas e as dele enquanto lavava também as louças e pensava no café da manhã às 11h. Inventava algo para comer de acordo com o que encontrava na geladeira, e ele fumava lá fora, e ele nunca queria comer porque não sente vontade pela manhã. E nós conversávamos sobre o que faríamos naquele dia, talvez um almoço familiar, talvez um almoço no bar com amigos, talvez nada disso se chovesse. Eu gostava quando chovia porque eram os únicos dias em que eu conseguia fazê-lo assistir filmes comigo. E eu posso ficar dias só assistindo aos filmes, ainda mais naquela casa, em cima daqueles pallets.

Hoje eu não trabalho, não tenho direito de trabalhar, ainda. Não gosto muito do otimismo que me trouxe aqui, sedenta por viver outro sonho, subestimando todo os desafios. Quanto anos eu vou fazer mesmo? Será que já não passou essa fase de sonhar? Cadê o pragmatismo daquela produtora que levantava campanhas imensas até outro dia? Eu só quero trabalhar, sigo dizendo, sigo sentindo...porque quero meus sábados de volta.

    artwork by The Mincing Mockingbird


Aufwiedersehen!

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Utopia

Vejo meus pés no alto, em primeiro plano em relação ao céu azul e ao mar verde azulado. Eles balançam com suas unhas pintadas de azul claro ainda em Araras no interior de São Paulo. Tratados e pintados no salão da mãe da Dani, minha amiga de infância que menstruou em um dia de verão na piscina do nosso clube, e que virou enfermeira, depois chefe de enfermagem, mas que agora toca com sucesso outro salão.

Meus pés, tão pequenos e finos, tão protagonistas nesse momento da minha vida, balançam em cima das águas do mediterrâneo. Quase me esqueço que estou com fascite plantar no pé direito, passando para o esquerdo que tenta compensar o outro nos passeios que eu insisto em fazer diariamente. 

Olho pra trás e enxergo meu agora marido. Marido há dois anos, oficialmente há cinco meses, e sob as bençãos de Deus há apenas um. Ele está sentado na sua maneira habitual com as pernas cruzadas, a cerveja Estrella Damn em uma das mãos, o cigarro de tabaco na outra. Ele é um novo homem nessa nova terra, mas lá no fundo segue o mesmo. Eu também sou outra e me procuro. É a segunda vez que mudo para outro país. Na primeira, há quase dez anos, não havia fascite plantar, não havia medo ou receio de conseguir pagar as contas. Havia um metabolismo esperto que me tirou dez quilos em pouco tempo. Havia uma doce confiança misturada com o ingenuidade. 

Eu conheço muito essa mulher hoje. E essa mulher conhece muito as pessoas, a realidade. Ela lê nessa praia que está agora, uma evolução. São pessoas desprovidas de apego por seus corpos. Alguns estão nus, outros com roupa de banho. Existe escolha. São assim não somente porque são evoluídos. São assim porque podem. E então eu penso no meu país, nas possibilidades desse próximo outubro. Outubro de 2018. Me preocupo, mas não a ponto de esquecer da minha realidade atual, o sonho que já vivo e que por dias sonhei viver, ainda em meu país, e que mesmo assim me preocupa até o momento em que recebo um email com uma proposta de entrevista de trabalho. Tudo muda dentro de mim, o sol aparece como já estava. Lindo. O inglês tenta descrever sempre com a melhor síntese: feels good. Penso em como seria essa frase em castelhano, mas não me vem nada parecido. Não há síntese no castelhano assim como não há síntese no português. Não há síntese em mim. E aí eu lembro do episódio de ontem da série The Handmaid's Tale, em que a protagonista June divaga sobre suas circunstâncias. Na situação distópica e extremamente violenta em que se encontra, ela consegue elaborar seus pontos positivos. Traço um paralelo comigo em minha situação utópica. Meu pé está me traindo, mas o que mais eu queria pra mim, fora isso? Resta viver com os olhos abertos, já que a menina de antes não existe mais. Resta também respeitar, a não síntese de sentimentos da mulher que me leva para esse lugar. Hoje. 



Aufwiedersehen!!

quarta-feira, 16 de maio de 2018

O mito do casal que larga tudo para correr atrás dos sonhos

Dissecando essa frase título encontramos tantas cobranças sociais que eu nem sei muito bem por onde começar, mas talvez um primeiro passo seja falar novamente sobre privilégio - não adianta fugir disso. Exige tempo, dinheiro e estrutura familiar para "largar tudo".

Outra parte da cobrança social é essa coisa de só estar "completo", e realmente "feliz", quando em um relacionamento, de preferência heterossexual. Então vamos lá, essa pessoa que tem a possibilidade de "largar tudo", e de também estar "completa" em um relacionamento, caramba, "essa pessoa chegou lá", seja lá onde "lá" for, contando que não seja no Brasil.

Tenho revirado meus olhos há alguns anos toda vez que esse mito do casal que larga tudo para correr atrás dos sonhos cruza minha timeline. Não pela escolha das pessoas, mas pela forma como essa escolha tem sido vendida nos sites e blogs. Essa coisa de largar tudo e seguir seus sonhos, e não desistir até se sentir extremamente feliz com seu trabalho se tornou uma obsessão um tanto quanto frustrante para a nossa geração. Fomos taxados de preguiçosos, indecisos e mimados, mas mesmo assim eu mesma tomei a decisão de mudar para outro país com meu marido. Não foi uma coisa espontânea, estamos planejando há uns dois anos, e nesses meus quase trinta e três cheguei a conclusão que não existe trabalho divertido, porque trabalho é trabalho, simplesmente.

Nós resolvemos morar na Espanha porque queremos viajar, morar em outro país juntos, redescobrir a nossa vida, e porque meu marido tem o passaporte espanhol. É uma loucura na verdade, porque não temos dinheiro guardado, nem somos mega executivos que conseguem trabalhar remotamente, também não somos super jovens, também não somos super pacientes e muito menos pessoas iluminadas, mas mesmo assim precisamos fazer essa viagem. Talvez por uma combinação de personalidades, apesar de sermos muito diferentes, começamos a nos sentir restritos nessa cidade que eu amo, e ele que é paulistano já não ama tanto mais.

Trabalho a quase uma década com Publicidade, passei por toda uma sorte de doenças psicossomáticas, e me mato diariamente para pagar um aluguel. Amo metrópole, amo comunicação, mas também descobri que amo ter a possibilidade de fazer meu horário, e trabalhar na maioria das vezes sozinha, em casa. Somos seres em constantes mutações, e eu já tenho experiência suficiente para saber que a minha necessidade hoje, não necessariamente vai ser a mesma necessidade amanhã.

Já fui muito feliz produzindo muitos filmes impossíveis na pressão publicitária, houve momentos em que me senti realmente plena tendo a possibilidade de ser muito eficiente no meu trabalho. Acho uma perda de tempo essa sensação que ronda as pessoas de São Paulo, e principalmente no mercado publicitário, da vontade de "apenas viajar", ou "vender coco na praia". No meu caso específico, trabalhei muito e fui feliz, minhas experiências seguem firme comigo e no Linkedin, posso voltar a qualquer momento, e provavelmente precisarei, mas agora, de novo, por escolha, quero olhar um pouco de longe essa vida construída. Quero ouvir, cheirar, sentir outra cultura e outra língua. Quero coceiras de curiosidade pelo novo me cercando.

Então essa viagem não é sobre ter sucesso e chegar lá, é apenas sobre seguir vivendo.

Aufwiedersehen!!



terça-feira, 13 de março de 2018

Eu estou emagrecendo, mas não por ter criado vergonha na cara

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A gordofobia* é um assunto sério e tão naturalizado na nossa linguagem, modo de ver o mundo e nas relações humanas em geral, que eu fico cansada só de pensar em como lutar contra, principalmente porque ela me ataca todos os dias.
*fonte: Geledés.

Depois de passar os últimos três anos engordando de forma crescente, mesmo sem mudar nada de especial na minha alimentação, consigo dizer que hoje estou chegando perto do meu objetivo de emagrecimento. Já foram 5kg só de gordura, o que significa que além de perder peso eu estou criando músculos.  O título desse texto foi a forma que eu encontrei para fazer justiça ao imaginário coletivo de que basta "vergonha na cara", ou "só fechar a boca", para emagrecer. Estou conseguindo resultados por que sou privilegiada. No sentido de poder social mesmo, não aquele da #gratidão.

Como mulher é inevitável não pensar em gordofobia na ligação com o machismo, não que os homens não sofram dela tanto quanto nós mulheres, mas como tudo no sistema patriarcal o efeito é muito mais violento em nós. Todas as vezes em que tive uma crise de choro, raiva ou depressão depois de me olhar no espelho, depois de não caber em uma calça número 46, ou de me pesar na balança, eu ponderava: Onde está a minha vida agora? E invariavelmente a sensação de derrota dava lugar a uma leve serenidade, para algum tempo depois acontecer outra crise de auto-estima, e assim o fluxo seguia em círculos de luta interna. Aqui entra o primeiro privilégio, a capacidade de elaborar essa dor vem da possibilidade de aprofundamento em leituras feministas que tenho feito desde 2013. Gostaria de abraçar as tantas mulheres cujas palavras ressoavam na minha cabeça sempre que precisava, coisas simples como: "você é muito inteligente", ou "você é uma boa pessoa", costumavam ganhar do "estou acima do peso". Então, o tempo para ter estudado o que eu estudei para me fortalecer é um privilégio.

Admiro muito a cultura brasileira por nossa informalidade com nossos abraços e beijos afetuosos, e por isso também temos o costume de elogiar as pessoas, o único problema é a forma como as enxergamos, moldada por um padrão social que é cronicamente gordofóbico. Isso significa que a nossa imagem de sucesso é uma pessoa magra, e de preferência com pele clara. Acontece que o corpo é um organismo dinâmico que vai se transformar no decorrer da vida e por vários motivos, um deles é a saúde mental. Há pessoas que engordam quando estão apaixonadas, ou emagrecem quando estão em depressão. Isso torna delicado o costume de elogiar a pessoa que está emagrecendo, porque ela pode na verdade estar completamente infeliz, e a magreza vem com essa carga - digo isso com conhecimento de causa, porque elogiei uma amiga e na sequência ouvi dela como era triste não ter vontade de comer.  Não quero de forma alguma desencorajar elogios, acho uma atitude muito gentil, mas talvez seja interessante fugirmos da temática do corpo, e focarmos em roupas, acessórios, cortes de cabelo e atitudes, por exemplo.

Sou uma grande disseminadora e entusiasta de análise/terapia, e costumo repetir para todos os meus amigos a necessidade que temos de ter esse tipo de acompanhamento. De novo aqui um dos mais caros privilégios. A análise que pode ter várias orientações: psicanálise freudiana ou lacaniana, análise junguiana, terapia comportamental, holística, entre outras, nada mais é que um acompanhamento mental. Da mesma forma que fazemos consultas periódicas ao dentista, ou ao ginecologista, a mente também precisa de cuidados, e as doenças mentais precisam ser enxergadas com seriedade. Eu senti uma necessidade grande de voltar para a análise quando percebi que estava buscando a comida quando estava triste, e percebia a resposta sensorial de euforia no momento em que estava comendo uma pizza. E exatamente por que já fiz muita análise, pude elaborar o aviso de que algo estava errado na forma como a minha mente estava buscando compensações.

No meio desse processo que começou no final do ano passado,  tive uma discussão forte com a minha mãe quando estávamos saindo de uma loja de roupas na minha cidade natal no interior. Eu estava  mais uma vez frustrada com a falta de opções de roupas para uma mulher do meu tamanho, e como costumamos fazer com os nossos pais, descontei toda essa raiva nela, que enquanto me implorava para dizer como poderia me ajudar, dizia também que se preocupava com a minha saúde. No desabafo da fala e do choro que veio junto, pude entender que eu não tinha necessariamente um problema com o meu corpo, eu só queria explicar para a minha mãe o porquê daquele corpo que por alguns momentos poderia ser entendido como um fracasso. Uma semana antes dessa discussão com a minha mãe eu havia feito todos os exames relacionados a peso pedidos pela minha endocrinologista,  outro privilégio, e sabia que o meu corpo estava muito bem e saudável.

O que minha mãe e boa parte das pessoas não sabem, é que essa ideia de que os gordos não são saudáveis é uma criação social que se tornou verdade, talvez a mais duradoura fake news que se tem notícia. O problema do padrão estético, e também do chamado índice de gordura corporal (IMC), que já não é mais usado como ferramenta por boa parte dos nutricionistas, é que eles se valem de uma régua idêntica para medir milhões de corpos diversos, criando uma onda terrorista do que é ou não um corpo saudável.

A conversa com a minha mãe, outro privilégio de ter uma família atenciosa para dá suporte, serviu para que eu estabelecesse um ponto de partida. Foi um momento de catarse parecido com o que tive na descoberta do feminismo, em relação a questões como a sororidade, assédio e intuição feminina. Depois do desabafo pude estabelecer quão bem sucedida era minha vida, e que havia também alguns fatores de alimentação, bem estar e preparo físico que eu gostaria de melhorar. Só isso.

Foi depois desse momento que busquei uma nutricionista para me orientar, e que depois de olhar meus exames, fazer uma entrevista profunda sobre meus hábitos alimentares e sociais nesses últimos três anos,  levantou a possibilidade de uma alergia tardia a glúten ou lactose, e me orientou a ficar trinta dias sem consumi-los. Então, dentro dos limites da minha auto-disciplina meio torta, fiquei sem comer praticamente tudo que estamos acostumados: massa, queijo, salgadinhos, tortas, chocolates, CER-VE-JA. Uma dieta que restringiu muito a forma como me alimentava fora de casa, meu convívio social, e que eu consegui seguir através do privilégio de ter o companheirismo das pessoas que amo, o acompanhamento semanal com a analista, e de novo, o poder financeiro para comprar os remédios manipulados que serviram como suporte para essa detox.

Tudo indica que eu talvez consiga emagrecer os sete quilos restantes que tenho como objetivo, mas se isso acontecer não vai ser por que tomei vergonha na cara, mas porque eu sou uma mulher muito privilegiada.
Aufwiedersehen!!

Não subestimem as selfies. Elas salvam a auto-estima em dias ruins.