E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Utopia

Vejo meus pés no alto, em primeiro plano em relação ao céu azul e ao mar verde azulado. Eles balançam com suas unhas pintadas de azul claro ainda em Araras no interior de São Paulo. Tratados e pintados no salão da mãe da Dani, minha amiga de infância que menstruou em um dia de verão na piscina do nosso clube, e que virou enfermeira, depois chefe de enfermagem, mas que agora toca com sucesso outro salão.

Meus pés, tão pequenos e finos, tão protagonistas nesse momento da minha vida, balançam em cima das águas do mediterrâneo. Quase me esqueço que estou com fascite plantar no pé direito, passando para o esquerdo que tenta compensar o outro nos passeios que eu insisto em fazer diariamente. 

Olho pra trás e enxergo meu agora marido. Marido há dois anos, oficialmente há cinco meses, e sob as bençãos de Deus há apenas um. Ele está sentado na sua maneira habitual com as pernas cruzadas, a cerveja Estrella Damn em uma das mãos, o cigarro de tabaco na outra. Ele é um novo homem nessa nova terra, mas lá no fundo segue o mesmo. Eu também sou outra e me procuro. É a segunda vez que mudo para outro país. Na primeira, há quase dez anos, não havia fascite plantar, não havia medo ou receio de conseguir pagar as contas. Havia um metabolismo esperto que me tirou dez quilos em pouco tempo. Havia uma doce confiança misturada com o ingenuidade. 

Eu conheço muito essa mulher hoje. E essa mulher conhece muito as pessoas, a realidade. Ela lê nessa praia que está agora, uma evolução. São pessoas desprovidas de apego por seus corpos. Alguns estão nus, outros com roupa de banho. Existe escolha. São assim não somente porque são evoluídos. São assim porque podem. E então eu penso no meu país, nas possibilidades desse próximo outubro. Outubro de 2018. Me preocupo, mas não a ponto de esquecer da minha realidade atual, o sonho que já vivo e que por dias sonhei viver, ainda em meu país, e que mesmo assim me preocupa até o momento em que recebo um email com uma proposta de entrevista de trabalho. Tudo muda dentro de mim, o sol aparece como já estava. Lindo. O inglês tenta descrever sempre com a melhor síntese: feels good. Penso em como seria essa frase em castelhano, mas não me vem nada parecido. Não há síntese no castelhano assim como não há síntese no português. Não há síntese em mim. E aí eu lembro do episódio de ontem da série The Handmaid's Tale, em que a protagonista June divaga sobre suas circunstâncias. Na situação distópica e extremamente violenta em que se encontra, ela consegue elaborar seus pontos positivos. Traço um paralelo comigo em minha situação utópica. Meu pé está me traindo, mas o que mais eu queria pra mim, fora isso? Resta viver com os olhos abertos, já que a menina de antes não existe mais. Resta também respeitar, a não síntese de sentimentos da mulher que me leva para esse lugar. Hoje. 



Aufwiedersehen!!

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