A gordofobia* é um assunto sério e tão naturalizado na nossa linguagem, modo de
ver o mundo e nas relações humanas em geral, que eu fico cansada só de pensar
em como lutar contra, principalmente porque ela me ataca todos os dias.
*fonte: Geledés.
Depois de passar os últimos três anos engordando
de forma crescente, mesmo sem mudar nada de especial na minha alimentação, consigo dizer que hoje estou chegando perto do meu objetivo de emagrecimento. Já foram 5kg só de gordura, o que significa que além de
perder peso eu estou criando músculos. O título desse texto foi a forma
que eu encontrei para fazer justiça ao imaginário coletivo de que basta
"vergonha na cara", ou "só fechar a boca", para emagrecer.
Estou conseguindo resultados por que sou privilegiada. No sentido de poder
social mesmo, não aquele da #gratidão.
Como mulher é inevitável não pensar em gordofobia na ligação com o machismo, não que os homens não sofram dela tanto quanto nós
mulheres, mas como tudo no sistema patriarcal o efeito é muito mais violento em nós. Todas as vezes em que tive uma crise de choro, raiva ou depressão
depois de me olhar no espelho, depois de não caber em uma calça número 46, ou de me pesar na
balança, eu ponderava: Onde está a minha vida agora? E
invariavelmente a sensação de derrota dava lugar a uma leve serenidade, para
algum tempo depois acontecer outra crise de auto-estima, e assim o fluxo seguia
em círculos de luta interna. Aqui entra o primeiro privilégio, a capacidade de elaborar essa dor vem da possibilidade de aprofundamento em
leituras feministas que tenho feito desde 2013. Gostaria de abraçar as tantas
mulheres cujas palavras ressoavam na minha cabeça sempre que precisava,
coisas simples como: "você é muito inteligente", ou "você é uma
boa pessoa", costumavam ganhar do "estou acima do peso".
Então, o tempo para ter estudado o que eu estudei para me fortalecer é um privilégio.
Admiro muito a cultura brasileira por nossa
informalidade com nossos abraços e beijos afetuosos, e por isso também temos o costume de elogiar as pessoas, o único problema é a forma como as enxergamos,
moldada por um padrão social que é cronicamente gordofóbico. Isso
significa que a nossa imagem de sucesso é uma pessoa magra, e de preferência
com pele clara. Acontece que o corpo é um organismo dinâmico que vai se
transformar no decorrer da vida e por vários motivos, um deles é a saúde
mental. Há pessoas que engordam quando estão apaixonadas, ou emagrecem quando estão
em depressão. Isso torna delicado o costume de elogiar a pessoa que está
emagrecendo, porque ela pode na verdade estar completamente infeliz, e a
magreza vem com essa carga - digo isso com conhecimento de causa, porque
elogiei uma amiga e na sequência ouvi dela como era triste não ter vontade de
comer. Não quero de forma alguma desencorajar elogios, acho
uma atitude muito gentil, mas talvez seja interessante fugirmos da temática
do corpo, e focarmos em roupas, acessórios, cortes de cabelo e atitudes, por
exemplo.
Sou uma grande disseminadora e entusiasta de
análise/terapia, e costumo repetir para todos os meus amigos a necessidade que temos de ter esse tipo de acompanhamento. De novo aqui um dos mais caros privilégios.
A análise que pode ter várias orientações: psicanálise freudiana ou lacaniana,
análise junguiana, terapia comportamental, holística, entre outras, nada mais
é que um acompanhamento mental. Da mesma forma que fazemos consultas
periódicas ao dentista, ou ao ginecologista, a mente também precisa de
cuidados, e as doenças mentais precisam ser enxergadas com seriedade. Eu senti
uma necessidade grande de voltar para a análise quando percebi que estava
buscando a comida quando estava triste, e percebia a resposta sensorial de
euforia no momento em que estava comendo uma pizza. E exatamente por que já
fiz muita análise, pude elaborar o aviso de que algo estava errado na
forma como a minha mente estava buscando compensações.
No meio desse processo que começou no final do
ano passado, tive uma discussão forte com a minha mãe quando estávamos
saindo de uma loja de roupas na minha cidade natal no interior. Eu estava mais uma vez frustrada com a falta de opções de
roupas para uma mulher do meu tamanho, e como costumamos fazer com os nossos
pais, descontei toda essa raiva nela, que enquanto me implorava para dizer como
poderia me ajudar, dizia também que se preocupava com a minha saúde. No
desabafo da fala e do choro que veio junto, pude entender que eu não tinha
necessariamente um problema com o meu corpo, eu só queria explicar para a minha
mãe o porquê daquele corpo que por alguns momentos poderia ser entendido como um fracasso. Uma semana antes dessa discussão com a minha mãe
eu havia feito todos os exames relacionados a peso pedidos pela minha
endocrinologista, outro privilégio, e sabia que o meu corpo estava muito bem e saudável.
O que minha mãe e boa parte das pessoas não
sabem, é que essa ideia de que os gordos não são saudáveis é uma criação social
que se tornou verdade, talvez a mais duradoura fake news que se tem notícia. O
problema do padrão estético, e também do chamado índice de gordura corporal
(IMC), que já não é mais usado como ferramenta por boa parte dos nutricionistas, é
que eles se valem de uma régua idêntica para medir milhões de corpos diversos,
criando uma onda terrorista do que é ou não um corpo saudável.
A conversa com a minha mãe, outro privilégio
de ter uma família atenciosa para dá suporte, serviu para que eu
estabelecesse um ponto de partida. Foi um momento de catarse parecido com o que tive na descoberta do feminismo, em relação a questões como a sororidade, assédio e intuição feminina. Depois do desabafo pude estabelecer quão bem sucedida era
minha vida, e que havia também alguns fatores de alimentação, bem estar e
preparo físico que eu gostaria de melhorar. Só isso.
Foi depois desse momento que busquei uma
nutricionista para me orientar, e que depois de olhar meus exames, fazer uma entrevista profunda sobre meus hábitos alimentares e sociais nesses
últimos três anos, levantou a possibilidade de uma alergia tardia a glúten
ou lactose, e me orientou a ficar trinta dias sem consumi-los. Então, dentro
dos limites da minha auto-disciplina meio torta, fiquei sem comer praticamente
tudo que estamos acostumados: massa, queijo, salgadinhos, tortas, chocolates,
CER-VE-JA. Uma dieta que restringiu muito a forma como me alimentava fora de casa, meu convívio social, e que eu consegui seguir através
do privilégio de ter o companheirismo das pessoas que amo, o
acompanhamento semanal com a analista, e de novo, o poder financeiro para
comprar os remédios manipulados que serviram como suporte para essa
detox.
Tudo indica que eu talvez consiga emagrecer os sete quilos
restantes que tenho como objetivo, mas se isso acontecer não vai ser por que
tomei vergonha na cara, mas porque eu sou uma mulher muito privilegiada.
Aufwiedersehen!!
Não subestimem as selfies.
Elas salvam a auto-estima em dias ruins.