E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Uma feminista precisa se sentir bonita?


Todos conhecemos o velho estereótipo da feminista feia, masculinizada e que não se depila, e acho que se você está nesse espaço lendo um texto meu, você já está cansada de saber que isso é uma balela por vários motivos, o maior deles sendo que a beleza, resumidamente, é formada por diversos padrões criados pela sociedade patriarcal como forma de submeter as mulheres - e também os homens, mas não principalmente - a um ideal inatingível, até mesmo para os brancos, loiros, magros, altos de olhos azuis e cabelos lisos. O padrão muda no decorrer dos tempos, uma época nossas mães fizeram permanente porque nos anos oitenta ter cabelo encaracolado era um must, e aí nós crescemos e na nossa adolescência conhecemos o tal do alisamento japonês. Tem todo um movimento que  corre paralelo ao chamado status quo - ou tudo isso que conhecemos como uma determinada forma de ser e agir escrita pelos detentores do poder aka homens brancos ricos de meia idade - que é o contra-ataque dos que foram subjugados por esse sistema, as chamadas minorias sociais, leia-se como um determinado grupo de indivíduos que não necessariamente estão em menor quantidade como mulheres e negros no Brasil, mas que são considerados minorizados por absorverem um pedaço pequeno do poder na decisão desse tal de status quo. Lembrando sempre que o sistema patriarcal não representa necessariamente os homens, mesmo eles sendo ainda em todos os lugares do mundo de formas diferenciadas os detentores maiorais deste poder, o sistema patriarcal é um modelo muito engenhoso que sempre assimila meios para garantir o status quo em um tipo de guerra fria que vem sendo gerida com êxito durante séculos de mãos dadas com o capitalismo como o conhecemos, é a ideia simplista de perdedor x vencedor, é a meritocracia, é o lucro acima de tudo, a objetificação e consumo. Chegamos a um ponto em que precisaremos falar seriamente sobre mulheres brancas - meu grupo social - e como vamos desenvolver essa quarta onda feminista de forma interseccional ou se vamos simplesmente reproduzir comportamentos machistas perpetrados por homens dentro do sistema patriarcal.

Dando essa breve revisão de onde vem a minha indagação para esse pensamento, que é algo que eu venho debatendo constantemente internamente e com amigas, é sobre até que ponto podemos pensar em beleza de forma consciente e não como vítima desse ciclo? Exemplo, meu corpo tem um formato pêra, isso significa que eu tenho pernas grossas, quadril, bumbum, uma gordura localizada um pouco abaixo da minha cintura que já não é muito bem desenhada, seios pequenos e ombros estreitos. Não vou nem entrar no mérito de que meço 1.80m e tenho a cabeça, as mãos e os pés pequenos demais para a minha estatura, isso merece outro texto. O que quero exemplificar aqui é que como boa parte dos adolescentes eu tive um desenvolvimento muito repentino de garotinha de treze anos meio gordinha e barriguda para adolescente super magra, alta, com os cabelos em polvorosa. Cheguei a usar sutiã com bojo de óleo para dar uma qualidade natural aos meus falsos seios, e tinha pesadelos na hora de comprar biquínis por conta dessa gordura insistente abaixo da cintura. Meus cabelos sempre foram finos, mas eles não se decidiam entre o enrolado ou o liso, então eu nunca soube muito bem como tratá-los até outro dia com trinta e poucos anos. Essas são histórias de uma menina que cresceu em uma família com dinheiro consideravelmente dentro dos padrões, e esse é o meu lugar de fala aqui.

A minha consideração agora adulta e madura com quase trinta e quatro anos, é sobre a possibilidade de me sentir bonita além dos padrões. Sobre o privilégio de enxergar fora deles e encontrar o meu estilo. Houve um tempo em que eu reneguei a questão da beleza a um quarto plano de importância no movimento de empoderamento - essa palavra é a camisa da CPF dos termos que temos um pouco de vergonha de usar - mas hoje eu percebo a importância de também sentir-me bonita, e isso aconteceu quando eu tive que cortar o meu cabelo. A referência era um curto estilo Meg Ryan em Cidade dos anjos, com os cachinhos charmosamente caídos em cima do seu rosto, eu amava aquela coisa meio angelical, meio andrógina, mas decidi esperar o meu casamento passar para copiá-lo, e quando eu finalmente fiz o corte pareceu como um reencontro comigo mesma, as roupas combinavam, o cabelo me inspirava em um ciclo completo de criatividade. Me dei conta de que por mais que a ideia de beleza seja uma ficção humana, é impossível alija-la de nossas vidas, melhor mesmo assumir a sua importância e fornecer possibilidades para que as pessoas encontrem o seu melhor eu dentro do que elas acreditam como belo. 

Como extra, eu sempre fui apaixonada por esses programas de “antes e depois”, desde o programa da Xuxa até o Esquadrão da moda, mas existe uma pequena revolução acontecendo no Netflix com Queer Eye, um reality com cinco homens homossexuais que oferecem consultorias diversas que vão de estilo a decoração da casa, psicológica, gastronômica e de cabelo, para pessoas chegarem a seu total potencial como ponto de partida para uma vida mais plena. Se dê esse presente, é lindo de ver!

Na série Fleabag existe uma sequência maravilhosa onde a protagonista Fleabag e sua irmã afirmam que "cabelo é tudo",  e todos rimos muito, mas o cabelo foi mesmo construído como uma parte importante da nossa identidade, e esse corte não fez sucesso com o marido e acredito que com muitas pessoas, mas a ideia de fazer sucesso comigo mesma foi incrível.



Aufwiedersehen!!