E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Não somos Malala

Quando eu fico triste ou revoltada com alguma coisa em minha vida, minha mãe costuma me dar um exemplo totalmente oposto ao meu, de maior tragédia e dor. Eu ponderava por um tempo, para depois dizer que sentia muito, mas que esse tipo de estratégia não ajudava, já que eu não podia fazer nada pela pessoa sofredora longe de mim, e continuava triste por aquele momento. Sofrendo por mim mesma.

Em uma loja de conveniência de um posto, eu encontrei um livro bonito, com duas cores em contraste com uma bela menina do oriente na capa. Eu já tinha visto essa imagem antes, trata-se de um best-seller, tem até um comentário do Luciano Huck na contracapa. Eu nunca torci o nariz para bestsellers e coisas famosas, sempre me interessou saber do que se tratavam os grandes sucessos, por que algo interessava tanto a tanta gente?

O livro autobiográfico em co-autoria com a inglesa Christina Lamb, conta a história de MalalaYousafsai, uma garota com hoje 16 anos, muçulmana, pachtun, nascida no antigo Swat atual Paquistão, hoje radicada em Bermingham/Inglaterra: "Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã."

                                               

O subtítulo resume a história do livro.
O que aconteceu comigo, no decorrer da leitura desse livro, foi uma pequena revolução interna, aquilo que acontece quando abrimos o nosso horizonte de perspectiva e entendemos que existe um mundo pra fora de nós mesmos e de nossas ambições.
Nós temos o costume de olhar para cima: o transporte público, a saúde, a educação, tudo é muito melhor na Europa e nos Estados Unidos, que merda de país vivemos.

Esse livro me fez olhar pra baixo, para os países mais pobres, e eu não me senti melhor, eu me senti pior, e eu valorizei o que tenho aqui, no meu país, onde:

Nós podemos casar com quem quisermos.

Nós podemos sair sozinhas em público.

Nós podemos estudar.

Parecem coisas simples? Pois Malala levou um tiro pelo terceiro item.
Malala me inspira, não só por sua coragem e inteligência, mas pela compaixão com que ela ainda olha aqueles que maltrataram e dizimaram seu povo, e que a obrigaram a sair de sua terra tão amada. Em nenhum momento no livro, há uma palavra de ódio, de ressentimento. A heroína é ela, mas eu criei uma admiração enorme também pelo seu pai Ziauddin Yousafzai, um líder entusiasta da educação, um intelectual pai de família que em meio às tradições tribais muçulmanas comemorou o nascimento de uma filha mulher primogênita, e não fez nada, além de permiti-la voar até onde fosse necessário no sentido de suas ambições políticas e sociais. Um crédito enorme para a mãe, analfabeta, mas phd na mais profunda fé. Ziauddin dá seu testemunho na palestra do TED abaixo (você pode colocar legenda clicando em subtitles no canto inferior direito):

https://www.ted.com/talks/ziauddin_yousafzai_my_daughter_malala

Impressionante alguém tão diferente, e tão esclarecido em um meio que não lhe oferece nenhuma ferramenta para tal. Ziauddin foi atrás de todo o seu estudo, até criar a sua escola com admissão de meninas. Ele me lembra muito meu próprio velho, um cara que poderia ser qualquer coisa, menos esse o humano mais feminista que eu conheço, assim, por natureza, ofereço esse post ao Bill, e um obrigada a ele e a minha mãe, um mulherão de fibra e fé, que não cortaram as minhas asas, nunca.

Abaixo o discurso de Malala na ONU, em prol da educação mundial. (só encontrei com legenda em espanhol).

https://www.youtube.com/watch?v=UJZHFlao88Y

Um trecho do livro, assim, bem explicadinho para ficar claro: "Nós seres humanos, não percebemos como Deus é grande. Ele nos deu um cérebro extraordinário e um coração amoroso e sensível. Abençoou-nos com a capacidade de falar e expressar nossos sentimentos, dois olhos para ver um mundo de cores e beleza, dois pés que caminham pela estrada da vida, duas mãos que trabalham para nós, um nariz que aspira fragrâncias deliciosas e dois ouvidos para escutar palavras de amor. "


Aufwiedersehen!

terça-feira, 20 de maio de 2014

Esperando por Malu

"O troço deu positivo. F%$#*"

Essa foi a mensagem que eu recebi pelo bom zap zap em um sábado de manhã.
Essa foi a mensagem que me acordou e me deixou feito um zumbi durante o dia. A minha grande amiga estava grávida.
Eu não lembro o que respondi na hora, mas deve ter sido alguma das bobagens que eu gosto de falar para acalma-la, para que ela saiba que eu vou estar lá, ao lado dela.
Eu a acalmei, mas meu coração estava em polvorosa, aquilo era novo, real, e muito, muito próximo.

Morávamos juntas até pouco tempo antes dessa mensagem, eu tinha decidido me mudar, sozinha. Estive com ela nos últimos anos, muito próxima, mas ao mesmo tempo, mais distantes do que nunca, em comparação ao começo de tudo, há 10 anos, quando éramos universitárias bobas.
Eu tirei aquele sábado pra pensar nisso, para projetar o futuro dessa criança, e em quais circunstâncias ela viria e viveria.

A mãe da Malu estava muito apaixonada na época que a concebeu. Uma paixão daquelas que eu só ouvi falar, uma paixão que vinha e dominava todos os espaços, em muito pouco tempo,  e se isso não for o bastante para que Malu venha abençoada pelo maior dos atos de entrega, eu já não sei de mais nada.

A mãe da Malu, poucos meses antes dessa mensagem, estava como que em estado latente, e eu já não reconhecia mais a minha amiga, senão por raros momentos de relaxamento e leveza. Ela estava em um lugar ruim, e como consequência disso, nós duas, a nossa amizade ia mal. Muito por isso e por uma vontade enorme de introspecção, eu resolvi morar sozinha. Para que esse encontro de almas perpetuasse, era necessário que eu me afastasse também.

Acho difícil, senão chato, acreditar no acaso. Eu gosto de duvidar das coincidências, como as que fizeram a mãe da Malu, poucos meses antes daquela mensagem, voltar para um lugar de luz, um lugar em que ela se permitia ser, um lugar próximo aos que amava, seus sobrinhos lindos, sua família, e suas amigas corujas que a esperavam voltar. Ela voltou, mais forte do que jamais a vi, e eu me dei conta disso mais tarde, naquele sábado do dia da mensagem. Eu percebi a mulher que ela tinha se tornado, e eu não pude evitar um sorriso e a certeza de que melhor mãe a Malu não poderia ter.

*a árvore dos desejos do chá de fraldas, onde os convidados colocaram seus votos e mensagens para, em uma viagem pelo tempo, a adolescente Malu poder ler.


Aufwiedersehen!!

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O fascinante universo masculino

Eu tive por muito tempo, uma atração, um quase endeusamento dedicado aos homens. Eu sempre gostei muito de estar perto deles, nunca entendi porque, mas tinha lá minhas teorias, talvez por ter nascido entre tantos tios, ou por ter um irmãozinho, meu primeiro amigo...talvez por ser uma menina heterossexual?

Eu tentei lembrar da cabeça daquela criança fofinha do interior, que olhava o mundo concebido para os garotos, seus primos, irmão, amigos. Um mundo onde não existia: "isso não é coisa pra você", "senta quiném menina", "isso não é bonito", "ajude a sua vó a lavar a louça". A minha leitura naquela época era de que os homens faziam por merecer aquele lugar mágico a que tinham direito. O lugar da liberdade pura. Eles podiam se sujar, esparramar-se no chão, andar sem blusa, eles podiam tudo. O que eles recebiam era diferente do que eu tinha, e eu queria aquilo tudo. Eu entendia que segui-los como mestres me levaria para a liberdade, então eu tentei aprender a ser mais agressiva, despojada, independente, eu só não sabia até então as maravilhas de ser mulher, e que eu podia ter tudo o que eu quisesse, se eu o reivindicasse como direito.

Eu renegava esse "mundo feminino" cheio de rendas, cor de rosa e fadas, interessavam-me os desenhos de super heróis, com seus mundos fantasiosos. Eu jogava para o time dos meninos, pretendia andar ao lado deles, e na adolescência achei ser possível continuar as aventuras no bosque, quando a chuva vinha e eu ficava perdida pra trás dos moleques, só que eu não imaginava que a adolescência viria com a puberdade e outros desejos sem controle.

Eu mantive o meu ponto de vista, mas tive obviamente, desilusões geradas pelo desencontro da expectativa da antiga admiração, versus a realidade homem x mulher, e então depois de muito defendê-los, resolvi voltar pro meu time.

Até pouco tempo eu torcia o nariz para o feminismo, hoje eu o abraço e carrego comigo. São esses valores arraigados em mim, esses limites inventados, que eu tento mudar, nem sempre com muito sucesso. O mais difícil porém, é tirar o gosto amargo de lembrar daquela  vontade de ser outra coisa, mas principalmente, pelo tempo grande que eu perdi desprezando o meu gênero. Não existe um "mundo feminino" e um "mundo masculino", é isso que eu tenho aprender todos os dias.

Eu voltei para o temido lado feminino, tenho grandes amigas mulheres, fortes e independentes, cada uma a seu modo, e eu tenho muito orgulho de ser uma delas, com todas as dificuldades que possamos encontrar pelo caminho.

Aufwiedersehen!!