E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

De novo

Acordei para encontrar um sábado ensolarado e um curso gratuito que me inscrevi em uma livraria no centro que já queria conhecer, a Taperá Taperá. Em um desses acasos despretensiosos, me deparei com pessoas muito parecidas comigo. O curso abordaria o "Conto da Aia", escrito em 1985, ano do meu nascimento, por Margareth Atwood, e também um tema em voga por ter sido a base de inspiração para a série do canal Hulu: "The Handsmaid Tale", estreada esse ano e aclamada pelo clichê da crítica e público. A discussão girava em torno do que seria distopia, e por consequência utopia, que faz parte da narrativa do conto que se passa em 2125, em uma sociedade pós golpe teocrático, onde as mulheres são separadas por castas e restritas as funções que lhe são impostas pelo governo, sendo a função da protagonista do conto/série, ceder seu útero para ser fecundado por um dos coronéis, ou de uma forma mais gráfica, ser estuprada continuamente até que tenha um filho, por que elas são obrigadas a exercer essa função.

A livraria que fica dentro da Galeria Metrópole estava cheia de pessoas, na maioria mulheres, que amam livros, filmes e feminismo, assim como eu. Ficamos quase três horas debatendo política, séries, e narrativas, estava no paraíso!

Ao final do debate, combinei de encontrar meu companheiro em um restaurante perto de casa, para almoçar. Minha cabeça estava cheia dos pensamentos levantados na discussão do curso, juntando-se a alguns compromissos profissionais que ainda aconteceriam no fim de semana, além de um texto que precisava revisar e melhorar consideravelmente para entregar segunda na pós graduação.
Fora isso, sentia um descontentamento enorme com o meu corpo que sentia estar me traindo. Havia passado a semana toda com dores de cabeça, o nariz trancado, e assoando o nariz de minuto em minuto. Meu intestino também tinha decidido parar essa semana. Eram muitos os pensamentos e preocupações durante o almoço, e quando terminamos, era ainda muito longo o tempo para o garçom trazer a conta, então decidi pagar diretamente no caixa.

Nesse momento me deparei com uma situação conhecida mas que não acontecia a algum tempo. Um velho escroto, por que não saberia me referir a ele de outra forma, praticamente tapava a minha passagem para o caixa, com os olhos fixos em mim e no meu corpo. É difícil explicar isso para os homens, a sensação tátil de alguém desconhecido olhar para você e te despir sem consentimento, mesmo que nada passe do olhar.
Me surpreendi, com trinta e dois anos, casada, politizada, me sentindo afetada da forma como fui. Havia a minha vulnerabilidade, meu corpo que poucos segundos antes me causava desafeto, e que agora era pra mim de novo como uma criança que precisa de proteção. Na insistência do olhar do velho, tive que dizer "Que que foi tio?". Ele estava praticamente grudado do meu lado no balcão, e na sequência disfarçou e começou a mexer no celular. O ódio era enorme. Gigantesco.

Sai do restaurante, e de novo tinha treze anos. De novo andava na rua sozinha tentando chegar na Educação Física e era abordada por outros velhos escrotos. De novo aquele paralizamento. De novo. Violência. Então eu chorei, como criança, de novo, as gotas pesadas caindo por baixo dos meus óculos de sol.


Aufwiedersehen.