E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

domingo, 22 de julho de 2018

O tédio é subestimado

Uma vez eu postei no Facebook sobre como o tédio era subestimado e algumas pessoas concordaram. Sinto falta do tédio. Sinto falta da certeza de lavar minhas roupas logo pela manhã enquanto escuto o barulho dos pássaros nas Perdizes, que se misturava com a voz de Bob Marley que toca do spotify do meu notebook, cujo carregador já possui lugar cativo no canto esquerdo da sala, em cima do pallet que compramos em uma quebrada por R$ 50,00, para depois lixar e pintar de azul, nossa cor preferida.

Estou morando em Barcelona, é julho e verão,  faltam exatos 7 dias para o meu aniversário de 33 anos, e para os que acreditam estou quase no final do meu inferno astral. Há! Que inferno queridos, eu moro em Barcelona! Eu não trabalho e meu único compromisso é acordar na sala dos nossos amigos, trocar de roupa, tomar um café e ir para a academia que aqui custa 30 euros com piscina. Quando volto para casa meu marido está me esperando, algumas vezes com o almoço hecho, sem quaisquer dos tempos e movimentos naturais da vida adulta paulistana. Mas mesmo assim, não paro de pensar naquele apartamento na Campevas.

Era 2016, junho, fazia um frio insuportável em São Paulo, e no nosso mais novo “nosso” apartamento, não havia móveis. Ele não queria correr com a decoração, “deixa estar…", “vamos curtir isso tudo…”, ele dizia. Eu não via a hora de transformar aquilo tudo em nosso realmente. A decoração com os sofás onde nos estatelaríamos sempre que possível naquela sala ampla com a janelona que dava para um bambuzal. A TV que ainda não sabíamos direito em que lado ficaria, para contrapor com um grande quadro que eu trouxera do meu outro apartamento. Era o meu segundo Edward Hopper preferido, um pôster que comprei na Internet e mandei enquadrar na minha cidade natal que fica no interior de São Paulo, onde tudo é mais barato. O pôster que na hora que virou quadro ficou com aparência enrugada como se tivesse entrado em uma piscina, mas tudo bem. Meu encanto por Hopper passa pela minha paixão pelo cinema, e a forma como ele faz pinturas fotográficas. No quadro, de fora vemos uma mulher e um rapaz sentados nos bancos de um bar. Eles estão lado a lado porém solitários. É lindo e triste, como a metrópole que passa do lado de fora desse bar, como a metrópole que passava por fora da nossa nova casa.

Na nossa primeira noite na Campevas dormimos no colchão, uma das poucas peças existentes na nova casa. O chão era muito frio, e por algum motivo a luz ainda não funcionava, então era escuro e frio, junho em São Paulo. Tínhamos um cobertor mequetrefe, e nos cobrimos, e nos abraçávamos sem banho, porque o chuveiro era puro gelo. Foi péssimo, mas hoje parece lindo, o melhor lugar para se estar. Nossos pais estavam próximos, nossos amigos, nosso país e nossos direitos. Por que o ser humano é assim tão indecente? Por que o presente nunca tem charme?

Sinto falta da casa que eu decorei pra nós. Lá, meu notebook tinha um lugar cativo para ser carregado, enquanto aos sábados e sem precisar pensar no horário, lavávamos as minhas roupas e as dele enquanto lavava também as louças e pensava no café da manhã às 11h. Inventava algo para comer de acordo com o que encontrava na geladeira, e ele fumava lá fora, e ele nunca queria comer porque não sente vontade pela manhã. E nós conversávamos sobre o que faríamos naquele dia, talvez um almoço familiar, talvez um almoço no bar com amigos, talvez nada disso se chovesse. Eu gostava quando chovia porque eram os únicos dias em que eu conseguia fazê-lo assistir filmes comigo. E eu posso ficar dias só assistindo aos filmes, ainda mais naquela casa, em cima daqueles pallets.

Hoje eu não trabalho, não tenho direito de trabalhar, ainda. Não gosto muito do otimismo que me trouxe aqui, sedenta por viver outro sonho, subestimando todo os desafios. Quanto anos eu vou fazer mesmo? Será que já não passou essa fase de sonhar? Cadê o pragmatismo daquela produtora que levantava campanhas imensas até outro dia? Eu só quero trabalhar, sigo dizendo, sigo sentindo...porque quero meus sábados de volta.

    artwork by The Mincing Mockingbird


Aufwiedersehen!

segunda-feira, 2 de julho de 2018

Utopia

Vejo meus pés no alto, em primeiro plano em relação ao céu azul e ao mar verde azulado. Eles balançam com suas unhas pintadas de azul claro ainda em Araras no interior de São Paulo. Tratados e pintados no salão da mãe da Dani, minha amiga de infância que menstruou em um dia de verão na piscina do nosso clube, e que virou enfermeira, depois chefe de enfermagem, mas que agora toca com sucesso outro salão.

Meus pés, tão pequenos e finos, tão protagonistas nesse momento da minha vida, balançam em cima das águas do mediterrâneo. Quase me esqueço que estou com fascite plantar no pé direito, passando para o esquerdo que tenta compensar o outro nos passeios que eu insisto em fazer diariamente. 

Olho pra trás e enxergo meu agora marido. Marido há dois anos, oficialmente há cinco meses, e sob as bençãos de Deus há apenas um. Ele está sentado na sua maneira habitual com as pernas cruzadas, a cerveja Estrella Damn em uma das mãos, o cigarro de tabaco na outra. Ele é um novo homem nessa nova terra, mas lá no fundo segue o mesmo. Eu também sou outra e me procuro. É a segunda vez que mudo para outro país. Na primeira, há quase dez anos, não havia fascite plantar, não havia medo ou receio de conseguir pagar as contas. Havia um metabolismo esperto que me tirou dez quilos em pouco tempo. Havia uma doce confiança misturada com o ingenuidade. 

Eu conheço muito essa mulher hoje. E essa mulher conhece muito as pessoas, a realidade. Ela lê nessa praia que está agora, uma evolução. São pessoas desprovidas de apego por seus corpos. Alguns estão nus, outros com roupa de banho. Existe escolha. São assim não somente porque são evoluídos. São assim porque podem. E então eu penso no meu país, nas possibilidades desse próximo outubro. Outubro de 2018. Me preocupo, mas não a ponto de esquecer da minha realidade atual, o sonho que já vivo e que por dias sonhei viver, ainda em meu país, e que mesmo assim me preocupa até o momento em que recebo um email com uma proposta de entrevista de trabalho. Tudo muda dentro de mim, o sol aparece como já estava. Lindo. O inglês tenta descrever sempre com a melhor síntese: feels good. Penso em como seria essa frase em castelhano, mas não me vem nada parecido. Não há síntese no castelhano assim como não há síntese no português. Não há síntese em mim. E aí eu lembro do episódio de ontem da série The Handmaid's Tale, em que a protagonista June divaga sobre suas circunstâncias. Na situação distópica e extremamente violenta em que se encontra, ela consegue elaborar seus pontos positivos. Traço um paralelo comigo em minha situação utópica. Meu pé está me traindo, mas o que mais eu queria pra mim, fora isso? Resta viver com os olhos abertos, já que a menina de antes não existe mais. Resta também respeitar, a não síntese de sentimentos da mulher que me leva para esse lugar. Hoje. 



Aufwiedersehen!!