E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

De Kéfera a Ministra Damares e os desafios da sororidade

Ver notícias ridicularizando a futura ministra e pastora evangélica Damares Alves na minha timeline do facebook tem me levantado um sinal de alerta, na verdade mais do que um alerta, uma sensação de deja vu mesmo. Há cerca de dois anos na época do impeachment da Dilma, outra figura rondava ininterruptamente as nossas timelines e ele veio a se tornar presidente do Brasil. Quando começamos a nos sentir tão superiores e viciados por esse sensacionalismo? Quando perdemos a direção do movimento de esquerda pelo social, pela integração e luta por direitos iguais para todas as pessoas, para essa necessidade de se provar tão lúcida diante dos fatos? Acho que depois do show de horrores que foi essa eleição, está claro que não existe valor moral superior para quem está na esquerda ou na direita. Claro, como alguém que se identifica com a esquerda, podemos correr o risco de nos sentirmos superiores porque por conceito "olhamos para o mais fraco", mas isso é tão abstrato, tão abstrato quanto um tweet nervoso. Escrevo sobre isso porque não sei vocês, mas não me ajudou em nada pensar que eu era superior a quem votava no Bolsonaro ou muito menos focar no HORROR, o HORROR de tudo o que ele diz, o RIDÍCULO. Estamos falando com as paredes, ou melhor, estamos circularmente adoecendo uns aos outros. 

Quebrando o tabu que é uma das páginas mais acessadas e de referência de luta pelos direitos humanos no Brasil sempre foi um lugar de encontro, de ideias, sempre me representou. Mas nos últimos meses tenho pensado seriamente em parar de segui-los. É uma notícia mais infeliz e sensacionalista atrás da outra. Crianças sendo estupradas e esquartejadas, idosas sendo estrupadas, dentre outras coisas. Entendo a necessidade de clicks, chamar a atenção, mas esse não pode ser o nosso plano porque claramente não está funcionando. Não temos o monopólio do amor, do bom senso, ninguém tem. A senhora Damares Alves é uma sobrevivente como milhões, senão quase todas as mulheres desse país, não importa o que ela diga. Todo mundo já entendeu que o nosso estado não é laico, e aí? Qual o próximo passo? Não vejo um plano claro em ficar repostando reportagens sobre quão RIDÍCULAS são as falas da futura ministra. Estamos em retrocesso com certeza, não estou negando isso, mas quando há retrocesso é preciso que haja evolução, uma resistência empática, nutridora de ideias e de entusiasmo. Somos humanos e somos fracos, essa corrente de bullying indulgente contra os "bolsominions" não está funcionando. Eu já fiz muito isso, e esse medo no peito não mudou nada desde outubro. 

E indo para um outro extremo temos o episódio de uma das mais bem sucedidas blogueiras do país, a Kéfera, que eu tive acesso em alguns dos compartilhamentos de lacração em minha timeline. Dá pra ver nos olhos dela o que gostamos de brincar ser a misandria, que é o ódio aos homens, e que na verdade não tem valor como ação de poder, porque as mulheres não possuem no poder no sistema patriarcal, misandria é irmã do racismo reverso, ou o racismo contra os brancos, não existe. E isso não é uma questão de opinião, já discuti muito sobre, é histórico. Quando eu assisti ao video parte de mim concordou com a atitude dela, mas parte de mim entendeu mais a Fátima Bernardes. Importante dizer que quando descobrimos o feminismo, e é realmente algo a ser descoberto, como crescer pensando que a roupa que eu usava era responsável pelo desejo que eu suscitava nos homens, quando descobrimos que existe toda uma estrutura perversa que odeia as mulheres, vem uma raiva enorme mesmo. Eu sentia raiva todos os dias, e muitas vezes essa raiva era direcionada aos homens, pensava que eles não tinham que fazer parte da conversa. Do outro lado da raiva, porque sou intensa e a descoberta do feminismo é catárquica, pensava que a sororidade era algo indiscutível e para todas as mulheres com quem eu me relacionasse até o dia em que tive que me relacionar diariamente com uma mulher muito mal caráter, e na prática, depois de me sentir culpada por não conseguir exercer a sororidade, entender que ela não é e nem deve ser para todas. Mulheres também são escrotas. 

O que quero dizer é que a atitude da Kéfera reflete a nossa atitude geral contra as pessoas que discordam de nós, porque no final é só isso. Precisamos ser inteligentes, diplomatas, e o tempo nos dá a sabedoria para entender o que fazer. Eu venho de um ano muito silencioso sobre a questão feminista comparado com o ano em que eu despertei para a temática. Não renego a raiva propulsora que me fez defender o movimento, falar sobre ele com minhas amigas, falar sobre ele com minha mãe, minha avó, meus amigos, e hoje colho os frutos dessa explosão, bons frutos. Não me senti confortável com a fala da Kéfera porque foi mal-educada, e a grosseria faz com que as pessoas não escutem, e no mais não foi inteligente, ainda mais em um mundo onde todos somos criados para odiar as mulheres, inclusive as mulheres, e inclusive as feministas, pra se salvar disso é só com a tal da desconstrução diária mesmo. Precisamos sempre pensar que chegamos em desvantagem no palanque da vida, nossa identificação de gênero não nos ajuda no debate, e por isso que precisamos ir além. Não aconselho que guardemos a raiva, porque ela é valiosa como motor para a mudança, mas é importante cuida-la como uma fogueira em um campo aberto, protegendo-a, não adianta atear foto na grama. 

Aufwiedersehen!!







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