E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O cão moralista - Parte 01

Escrevi o seguinte micro-conto para o curso de Criação Literária. Publico agora a primeira parte, depois a segunda.

Eu nasci a pouco tempo, não consigo ter idéia de quando exatamente foi que eu sai junto com a cachoeira de semelhantes meus do buraco enxarcado de sangue que era a minha mãe. Nesse mesmo dia todos os tantos pequenos e molhados filhotes ficaram perto dela, e ai de quem chegasse perto, mãos de criança, mãos pintadas, todas afastadas no reflexo do rugido daquela cadela pequena. Menos eu. Eu fiquei em um canto sem que ela visse, ou quisesse ver. Fiquei lá, do lado de uma boneca grande, com cabelo amarelo e meio esquisita. Uma mão pequena e branca chegou perto de mim, tateou, e quando eu achei que ia ser pego, lá se foi a mulher de plástico. Dormi o meu primeiro dia, e ao acordar sentia meu estômago ranger, quase como minha mãe rangia contra quem quisesse pegar um dos meus companheiros de barriga. Acordei em um lugar claro, luz pra todo canto, e dentro de uma caixa com buracos enfileirados. Eu não sabia que ali eu ainda ia ficar por um ano.
Nesses tantos dias que eu não sei ao certo quanto são, (só soube que um ano tinha ido, por que ouvi um dos homenzinhos que trabalham nesse lugar, comentarem que eu estava lá há um ano, e que isso já contava despesas), pude conhecer bem esses animais com costumes bem peculiares que são as pessoas. Olhei, ouvi bastante coisa, foi até divertido. O dia que mais me lembro foi o dia em que eu fui embora do lugar claro, mas antes de contar tudo dessa história, tem uma coisa importante para saber sobre mim, eu sou feio. Até hoje não sei exatamente o que isso significa, aparentemente não têm muita sorte nesse mundo animal de pessoas quem é feio. Bom, a sorte vem lenta. Nesse dia chovia muito. Chovia tanto que latas vermelhas e folhas grandes voavam direto na janelona que ficava bem à minha frente. Eu amava essa janela, através dela olhei as coisas mais divertidas de se olhar. Fêmeas e machos caminhando, filhotinhos pessoas chupando coisas coloridas que derretiam, uma fêmea que passava em frente a um outro lugar que estava crescendo ainda, e fazia todos os machos descerem para olhar, coisas interessantíssimas. Nesse dia tinham essas duas mulheres, e pela segunda vez em todo esse ano, alguém se interessou por mim. Vi outros como eu, sairem felizes no braço de outras pessoas, eles talvez tivessem idéia de onde iriam, ou apenas sorriam por serem bonitos, por que aparentemente isso é uma coisa boa, apesar de que eu não via diferença nenhuma entre nós, quer dizer, eu latia, eles latiam, eu ia lá pro canto dos jornais e fazia o que tinha que fazer, igualzinho a eles. Essa foi a minha segunda vez querido, depois do filhote pessoa de óculos escuros que tentou me segurar, mas foi puxado por alguém. A primeira mulher tinha uma roupa pesada, toda preta, e um colar de bolinhas com algo pendurado na ponta, enrolado na mão. Ela parou e olhou para mim. Ouvi ela soltar ar e falar algo como: pobre criatura. Não entendi o que ela quis dizer com criatura. A mulher que cuidava da gente chegou, chamava ela na minha cabeça de senhora docinho. Ela trazia comida pra gente e sempre cheirava a alguma coisa doce e visquenta. A senhora docinho veio pra perto da primeira mulher, meio pulando, e fazendo assim com a mão. Foi quando a outra moça de voz grossa e músculo esquisito no pescoço chegou. Ela falava alto, por isso dei um pulinho. Olha que bonitinho que ele é, ai moça, quanto que custa?De tão feinho que é, fica bonitinho, você não acha? Quando disse isso de mim, não entendi direito também, cada um falava uma coisa de mim que eu preferia não saber, por que eu não conhecia aquela gente.

To be continued.

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