E tem mais...

(...)

Um monte de coisa misturada..

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Sobre a apatia

"Eu trabalho com comunicação". Toda vez que digo isso, sinto-me como que contando uma piada. Minha interlocutora, uma senhora no ônibus, brilhava seus olhos alegres por trás de suas bifocais, dava pra ver que ela ansiava por uma conversa profunda, ou até mesmo um bate papo casual com aquela jovem "comunicadora", que a respondia monossilábica e sem ânimo.

Eu estava sentada na parte da frente do ônibus, prestes a mergulhar no meu estado ensimesmado, uma prática de anos, desde que descobri as metrópoles, um estado de total contemplação, que guarda lugar cativo nos ônibus. Eu adoro ver a paisagem passar lá fora, e a ideia de que eu vou chegar no meu destino apenas estando sentada. Eu moro em São Paulo, mas a minha experiência é uma exceção, por que eu não tenho horários tradicionais de expediente como o resto das pessoas de bem, e também por que eu moro na arborizada zona oeste, e no máximo me movimento até a vila mariana. Enfim, essa senhora, tentava com muita dificuldade, e ainda segurando uma bengala, subir no ônibus pela escada, quando eu fiz menção de me levantar para ajudá-la, mas o próprio motorista se adiantou e o fez. Foi apenas uma pausa no meu estado vegetativo contemplativo, mas esse pequeno gesto mecânico acendeu uma simpatia instantânea nela, que sentou no banco à minha frente.
Eu olhava pra fora, quando ela me chamou, e agradeceu pela tentativa de ajudá-la, e então iniciou, ou pelo menos tentou, iniciar o diálogo acima.

Depois de algumas tentativas mal sucedidas contra a minha apatia deliberada, a senhora virou-se de volta para o seu lugar, vencida, deixando-me menos como uma vitoriosa e mais como alguém digna de pena. Eu lembrei da vó que eu perdi no ano passado mais ou menos com a mesma idade da senhora que falava comigo. Eu pensei em como eu gostaria de bater um papo furado que fosse com ela naquela momento. Senti o tradicional líquido imaginário fervente descendo pela minha garganta até a boca do estômago, um companheiro dos dias de stress, que descia nesse momento carregado de desaprovação.

Lembrei dos quadros do Edward Hopper, que eu tanto admiro, e das suas ilustrações de pessoas sozinhas em lugares públicos, apáticas e patéticas, mesmo que pintadas sob as luzes mais lisonjeiras.


Ao me aproximar do meu ponto, levantei-me e meio que esperançosa para me redimir, sacudi um até logo para a senhora, que agora me respondia à altura, com um ausente: até.

Aufwiedersehen...

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